O sumiço das bichas

De uns tempos para cá Hollywood vem se especializando no homossexual da nova era, e a sociedade vem se dando tapinhas nas costas com seus bons sorrisos hipócritas por ver seus preconceitos diminuírem. A visão de si mesmos no espelho, de uma sociedade cada vez mais liberal e tolerante, é corroborada pela aceitação do que chamam de “amor entre dois homens” e que Oscar Wilde, mais sinceramente, chamava de “o amor que não ousa dizer seu nome”.

Talvez ela até esteja certa, e aceite mesmo que dois homens façam sexo entre si. Mas se forem duas bichas, ah, mona, aí a coisa muda de figura.

Viados e sapatões fazem parte de uma comunidade literalmente singular. Se você é pobre, pode ter a certeza de contar com o apoio de ricos que vão aliviar sua culpa defendendo melhor distribuição de renda, desde que não toquem no deles. Se você é mulher, vai aparecer um bocado de homens defendendo os seus direitos (e, talvez, tentar te comer depois, que isso é bom para todo mundo e faz bem para a pele). Se você é negro, uma porção de brancos vai cerrar fileiras ao seu lado contra o racismo.

Mas se você é gay, você vai estar sozinho.

Movimentos de defesa dos direitos dos homossexuais, como o Dialogay de Sergipe, não costumam contar com o apoio claro de outros setores do que chamam de sociedade civil organizada. Se fazem uma passeata, não se vê heterossexuais nelas — isso quando fazem, porque uma passeata de bichas e sapatões deve ser prato cheio para vaias e ovos podres. Para a maioria dos heterossexuais, bichas e sapatões podem até não ser mais aberrações, como já foram, mas ainda são incômodos. Algumas vezes justamente.

E nesse processo, parece ter se tornado fácil aceitar os dois extremos mais visíveis. Por um lado o homossexual que não trai os códigos comportamentais de seu sexo, como o viado com pose de homem e a sapatão de batom; por outro a caricatura, inofensiva de tão estridente, como a drag queen. Então a sociedade elogia os viados machos de Brokeback Mountain e se diverte na parada gay de São Paulo.

Este último caso é um dos mais interessantes. Porque ali não há mal nenhum. Porque desde que o carnaval é carnaval as pessoas vão aos montes para bailes gays, e se travestem em desfiles como os das Muquiranas em Salvador. Porque as bichas encapsuladas em paetês são engraçadas. Porque a partir do momento em que a coisa se assume como festa e paródia não há mais ameaça. As paradas gays são apenas um carnaval fora de época.

Enquanto isso o mito propagado por Brokeback Mountain, e outros tantos filmes que tratam ou tocam na temática gay, acaba sendo o de que viadagem é aceitável, desde que os homens falem grosso e as mulheres se mantenham femininas. A sapatão barra pesada, de calças baixas e pose de Humphrey Bogart sem saco, está automaticamente banida da imagem sanitizada do novos gays hollywoodianos.

No fim das contas, esse estereótipo do viado comportado de Hollywood é confortavelmente anódino. A única coisa que os diferencia de heterossexuais comuns é o fato de, à noite, dividirem sua cama e seus fluidos corporais com outros homens. Não há sequer uma sombra da bicha louca que usa jeans apertados e fala sibilando afetação. Fazendo uma comparação com o movimento negro, é como se seus defensores brancos definissem como padrão aceitável apenas os mulatos clarinhos.

Apesar das aparências, Brokeback Mountain não mostra gays; não tem sequer a gayety que lhes deu o nome. Mostra apenas uma variedade de amor e sexo perfeitamente aceitável por uma sociedade que se sente desconfortável ao lidar com algo que foge aos seus padrões.

Até há pouco tempo — antes que o politicamente correto levasse os bobos a acreditar que chamar alguém de “diversamente orientado sexualmente” o tornava menos viado e que homófobos iriam deixar de espancá-lo — , o termo preferido pelos gays americanos para se auto-definir era queer, esquisito. Partia do reconhecimento de que ser gay não era apenas manter relações homossexuais, mas principalmente ostentar um comportamento diferente. Uma bicha não está dentro dos padrões de uma sociedade baseada na família nuclear. E ao evitar tocar no direito dos homossexuais de assumir um comportamento diferente, filmes como Brokeback Mountain acabam reforçando o preconceito, definindo o padrão pelo qual homossexuais devem ser julgados.

É muito fácil aceitar homossexuais machos (aparentemente mais machos até que eu, este velho porco chauvinista, porque eu não falo grosso daquele jeito) como Heath Ledger e Jake Gyllenhaal, ou lésbicas extremamente femininas e bonitas como as que de vez em quando colam um velcro discreto nas novelas das oito. Levantar a voz para dizer que não tem preconceitos porque não vê estranheza nesses casais é muito fácil, porque isso não representa nenhuma superação dos próprios preconceitos. Difícil, mesmo, é se sentir à vontade — ou pelo menos tolerar, de verdade — com a bichona que mora no apartamento do lado e tem um comportamento que, definitivamente, lhe incomoda — aquelas festas noite adentro ao som de Maria Bethânia e risadas quase histéricas. A bicha cheia de trejeitos, escandalosa, às vezes apenas uma caricatura de mulher, essa não aparece nos filmes, a não ser como motivo de riso. Porque, se aparecesse, não despertaria os mesmos bons sentimentos em uma sociedade que, por mais que se orgulhe de defender obviedades como a união civil homossexual, ainda cuida para que seus filhos mantenham distância do tio viado.

Mas, voltando a Hollywood, o que parece estar acontecendo é curioso. Se esse modelo se afirmar, o que parece ser um avanço social vai se tornar um retrocesso enorme. Porque a partir dele, as bichas acabarão perdendo o direito de ser bichas.

Cybill

De vez em quando aparece alguém e destrói todos os seus sonhos.

Como Cybill Shepherd, por exemplo. Quando ela apareceu em “A Gata e o Rato”, aí pelo comecinho de 1986, era fácil se apaixonar por ela, e é provável que mais um bocado de garotos de 15 anos tenha se apaixonado por ela — e querido ser Bruce Willis, o sujeito bonito, esperto e cheio de wisecracks.

O rosto aristocrático de senhora sulista, a expressão de cinismo divertido e insolente, a bunda grande e rara em uma loura americana, tudo na Cybill Shepherd era fantástico, grandioso. Ou pelo menos assim parecia, aí pelos idos de 1986.

Aquela era uma mulher, uma mulher de verdade. E se você tem 15 anos, olha para ela como o alpinista olha para o pico do Everest, e olha para o jeito como ela anda e pensa coisas que só se pensam aos 15 anos.

Mas 20 anos se passaram.

E então o tempo, que a tudo destrói, e que é dono de uma crueldade impassível e insensível a qualquer apelo, lembrou que precisava dispensar um pouco de sua atenção sádica a Cybill Shepherd, como se para lembrar que ninguém mais tem 15 anos.

Axioma de Prodt

A Brittany Murphy pegou o menino do buffet e traçou o garoto ali mesmo, na escada. Chapadona, a moça. Viajandona.

O chato em toda essa história é que todo mundo sai perdendo. Ela porque o seu vício e seu comportamento tipo, assim, sem limites estão fazendo uma carreira que parecia promissora descer escada abaixo (sem trocadilhos).

E o rapaz porque, além de pegar uma moça que, para começo de conversa, nem é essas coca-colas todas — além de estar para lá de Bagdá –, ainda por cima não pode sequer espalhar a história, porque nenhum de seus amigos vai acreditar. “O quê? A lourinha de Sin City? Não, porra, eu sei que não é a Jessica Alba, a outra. Uma ova que você comeu!”

Isso lembra um artigo de Marlon Prodt, escrito há uns 15 anos e do qual a Superinteressante publicou uns trechos. O sujeito criou o que se passou a chamar o Axioma de Prodt. Diz o seguinte: “Sua credibilidade diminui na exata proporção ao aumento da sua sorte”.

O sujeito que traçou a Brittany Murphy, mais do que ninguém, sabe disso.

Por outro lado

Comentário recebido neste post:

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Name: as popozudas
Comments:

so para responder para os homens a mulher é a melhor parte de tudo a razoa de viver dos homens então pare de esculaxar as mulheres e so dar valor para sua xoxota.

Verdade. Não sei como deixei passar essa impressão. Perdão.

Porque há coisas que não se deve fazer. Há valores que não podem ser, jamais, relevados ou aparentemente esquecidos. É como entrar numa igreja sem se persignar. Como beber cachaça e não dar o primeiro gole para Exu.

Não se deve, nunca, subestimar uma boa bunda.

A Criação da Xoxota

Sete bons homens de fino saber
Criaram a xoxota, como pode se ver:
Chegando na frente, veio um açougueiro
Com faca afiada deu talho certeiro
Um bom marceneiro, com dedicação
Fez furo no centro com malho e formão
Em terceiro o alfaiate, capaz e moderno
Forrou com veludo o lado interno
Um bom caçador, chegando na hora
Forrou com raposa a parte de fora
Em quinto chegou sagaz pescador
Esfregando um peixe, deu-lhe odor
Em sexto, o bom padre da igreja daqui
Benzeu-a dizendo: “É só pra xixi!”
Por fim o marujo, zarolho e perneta
Chupou-a, fodeu-a e a chamou de boceta

(Por favor, quem quer que tenha escrito essa pequena maravilha poderia se identificar?)

(Merda, lá se foi meu BLOGPRACUMÊMULÊ.)

A mais doce profissão que um homem pode ter

Gigolôs estão entre os profissionais que mais admiro.

Jorge Amado dizia que essa era a mais doce profissão do mundo; dizia isso em seu baianês leve, com a ética diversa que faz parte do espírito da Bahia. Uma definição comum, mas mais cínica, é a de que um gigolô é um sujeito pago para fazer o que qualquer idiota faz de graça.

Dizer que a melhor coisa que você faz é sexo não é como dizer que escreve ou elabora e destrincha fórmulas matemáticas complexas. Porque tudo isso é algo restrito, faz parte das habilidades de pequenos grupos, é a própria razão da diversidade humana.

Se alguém diz que pinta melhor do que você, sua resposta pode ser um simples dar de ombros, porque isso lhe importa pouco ou nada. Você nunca pegou em um pincel na vida e isso não significa que ele é melhor que você — você duvida, por exemplo, que ele seja melhor jogador de basquete, e se o Michael Jordan disser que é melhor você pode dizer que entende mais de marcenaria. A vida é um infinito sistema de compensações, e então ficam elas por elas, e os egos de cada um se satisfazem plenamente.

Mas um gigolô, não. Ele faz o que todo mundo faz. E faz melhor. É um conceito absoluto, completo. Se tal sujeito é melhor de cama do que você, ele está se referindo àquilo que você faz com dedicação e abandono, está entrando no seu campo, está lhe vencendo no seu próprio jogo. E você não pode recorrer ao consolo do despeito e da negação, porque as provas estalam em sua cara. É assim que ele ganha a vida. Ele é bom o suficiente para que lhe paguem para fazer, com mais talento, mais sensibilidade, aquilo que você também faz e que constitui uma das partes fundamentais da sua vida. Ele está dizendo que, enquanto você se limita a nascer, crescer, reproduzir e morrer, ele dominou a a técnica do supérfluo e elevou o ato da reprodução ao nível de arte, e superou a mera humanidade.

Você é apenas espasmos, gemidos e suor. Ele é transcendência. Onde você é tosco, irremediavelmente tosco, ele é um artista. E, sim, se alguém pode dizer que é melhor que você, esse alguém é um gigolô.

Originalmente publicado em 28 de maio de 2004.

A decadência que nos espera

Eu estava em Paris, engolindo aquele continental breakfast intragável que servem por lá e que só se salva pelo café, melhor que o bebido aqui.

Foi quando entrou no restaurante do hotel uma família de americanos: pai, mãe e casal de filhos adolescentes.

Eram brancos e louros, aquele branco-louro lavado e insosso. Eram feios, típicos americanos médios; e não sei se por terem acordado naquele instante ou por uma vida de tolerância compulsória, pareciam evitar dirigir a palavra uns aos outros. A menina, de seus 14 anos, eu só pude definir como “lambisgóia”: nunca uma palavra foi tão adequada a alguém.

Sentaram-se à mesa e começaram a comer. A menina pegou uma tigela e encheu de sucrilhos e leite. Até a borda.

Devem ter esquecido de lhe contar que talheres servem para levar a comida à boca, porque ela afundou a cara de cavalo na tigela e começou a comer. Segurava a colher como quem segura um facão, com firmeza, decidida a não perder a batalha contra aquela desconhecida. À essa altura eu já tinha deixado o meu café esfriar e olhava para ela sem conseguir controlar a queda progressiva de meu queixo.

Quando os sucrilhos acabaram, ela deve ter sentido uma imensa pena em desperdiçar todo aquele leite. E então levantou a tigela e, com a sem-cerimônia das pocilgas, bebeu sofregamente o leite.

A danada não deixou cair uma gota. Quando acabou limpou a boca com as costas da mão. Ela estava satisfeita. Esperei um arroto que não veio.

Pela primeira vez tive uma noção clara do que me esperava, eu vassalo de um império disfarçado e tosco. E pensei em ligar para minha mãe e reclamar que, em vez de ter me dado boas maneiras, ela devia era ter ido me parir nos Estados Unidos. Porque lá eu poderia ser um porco, mas não me incomodaria porque aos donos do mundo educação não é pedida.

Originalmente publicado em 27 de fevereiro de 2004.

Pontos de vista

Deixa ver se entendi o caso da menina que vendeu a virgindade pela internet.

Quando você faz um leilão pela internet e encontra um otário capaz de pagar 8,400 libras pelo prazer duvidoso de arrebentar o seu hímen, você é uma celebridade.

Quando você dá a desconhecidos por quaisquer 20 reais num hotel de quinta, você é só uma puta.

Originalmente publicado em 23 de março de 2004