Há um surto de doppelgängers por aí, afetando blogueiros da velha guarda. Foi o Bia quem me mostrou as evidências, desesperado, arrancando os poucos fios de cabelo que ainda restam. Uma epidemia de clones ameaça alguns blogueiros que ainda não desistiram de escrever blogs.
O Nelson Moraes tem um. É espírita. E espírita reconhecido, com livro e tudo. Um de seus livros se chama “Os Talentos do Tonhão e do Luizinho“. Os talentos do Tonhão eu imagino bem quais sejam, que ninguém é Tonhão à toa. Fico, no entanto, intrigado em relação ao Luizinho. O que um sujeito chamado Luizinho pode fazer, afinal? Luizinho, em tese, não tem talento para nada — só para ouvir “Luizinho, meu filho, vai ali na venda comprar um laxante que sua tia tá com aquele problema de novo!” Ninguém percebeu que o Bia, por exemplo, só assina o sobrenome?
Conviver com um doppelgänger desses deve ser duro para o Nelson de cá. Porque para ele é fácil fazer o que faz. Não há honra em escrever o que o Nelson escreve, porque seus textos só conseguem elogios, sempre. É como um peixe dizer que nadar é coisa do outro mundo, quando é tudo o que ele sabe fazer. Difícil mesmo é escrever livros com os títulos que o outro Nelson Moraes escolhe. É preciso muita coragem, uma valentia sobre-humana para escrever um livro chamado “Para onde iremos após a morte?”. “Pra casa do caralho!”, responde alguém, e outro gaiato grita “Pra puta que pariu!”, e então a gritaria sai de controle, alguém começa a jogar rolos de papel higiênico na sala, e como levar alguém a sério dessa forma?
Como não admirar, por exemplo, um livro como “Autista do Além”, um dos títulos mais fantásticos que eu já vi em toda a minha vida? Você já imaginou um autista no Além? Você sabe o que é isso? Tente falar isso em voz alta sem rir. Viu? É impossível.
O Nelson de cá que me desculpe, mas macho mesmo é o Nelson de lá. Aquilo é que é coragem. Tivesse o Nelson de cá nascido em Goiás e eu relativizaria tudo isso — porque é preciso fibra para dizer em alto e bom som, “Eu sou goiano!”. Mas o Nelson nasceu em outro lugar. (Descobrir que o Nelson não nasceu em Goiás me faz perder metade das possibilidades de sacanagem com ele. Por isso, exijo que a Assembléia Legislativa dê ao Nelson o título de cidadão goiano. É justo. Ele é um goiano melhor que o Iris Rezende e, além de tudo, melhoraria consideravelmente a reputação duvidosa dos goianos.)
O caso do Nelson é triste, mas não é o pior. Veja o Alex, por exemplo.
O Alex tem um bocado de alter egos. Não é para menos: com um nome desses, devem nascer clones às pencas mundo afora. Eu sempre achei que Alex Castro é nome de decorador de festa de subúrbio, mas a verdade é que esse é um típico nome latino. Bata no Google: sob o nome Alex Castro aparece de tudo: de DJ brasileiro a traficante colombiano.
Um dos tantos clones do Alex é um lutador cubano com cara de michê de atriz velhinha da Globo. Tem a mesma boca do Alex, então eu presumo que é filho do seu pai com uma jinetera cubana. Essas coisas acontecem nas melhores famílias. Uma noite, uma garrafa de Havana Club, o esquecimento conveniente e temerário da camisinha: e eis no mundo mais um Castro. Além disso, o pai do Alex é baiano — o que explica uma porção de coisas.
O Alex de lá é o Caim do Alex/Abel de cá. É mau enquanto Alex é doce. Dá a cara para bater enquanto o Alex não deve ter entrado em uma única briga na vida. É o protótipo do macho latino enquanto o Alex se envergonha de ser heterossexual. O Alex Castro cubano é o nosso Alex no espelho. E por saber disso, a partir de agora nada vai tirar de mim a certeza de que o Alex foi para Cuba e se envolveu em todas aquelas aventuras, ano passado, em busca do seu irmão, o elo familiar perdido. Há meses venho lutando contra a vontade de escrever uma novela narrando as aventuras do Alex em Cuba; talvez o surgimento do seu irmão esquecido seja um sinal me dizendo que eu devo finalmente escrever essa joça.
A desgraça do Bia é ainda maior. O seu nome é um erro de tabelião analfabeto, como tantos por aí — e o seu pai provavelmente estava bêbado como o pai do Alex, e esqueceu de corrigir o equívoco. O nome do resto da família é Biagioni, nome bem mais comum, e essa deveria ser a garantia de que ninguém ia se meter a besta em arranjar um clone onomástico. O Bia se julgava a salvo — bobo, não sabe ele que ninguém está a salvo neste mundo? Ninguém pode imaginar a satisfação com que o Bia fazia ego searchs no Google e só via referências ao seu próprio nome. O Bia era único.
Não mais. Porque contra todas as chances um católico também chamado Biajoni deu as caras na blogoseira. Seu blog se chama “O Brasil Avivado“. O Brasil eu não sei, mas todas as beatas na sacristia da Igreja de Nossa Senhora d’Ajuda têm um orgulho danado do blog do outro Biajoni. O sujeito é católico-mas-católico-mesmo, com retrato de Bento XVI na parede, provavelmente.
Isso é uma ironia impressionante. Quando bebe, o Bia fica provocando a ira de Deus, falando besteiras que fazem sua avó macumbeira se persignar freneticamente. Mas o Bia é sub-reptício, não vai para o confronto direto como, por exemplo, o Alex (que só deixa de ser ateu no dia que provarem que Deus é preto). Por isso, Deus resolveu fazer com ele a mesma sacanagem sutil que o ímpio do Bia faz com Ele: pôs no seu caminho um homônimo improvável. Tão improvável que o blog do sujetio está na Canção Nova. É o troco de um Deus debochado. O Bia entende tão pouco dessas coisas de Deus que chegou a achar que o Carlos Biajoni é evangélico — e lá está o Senhor em seu trono rindo da cara do Bia, dizendo “toma nas fuças, cachorro!”.
Era aqui que eu queria terminar este post, sacaneando o Nelson, o Alex e o Bia. Mas agora fico sabendo que apareceu mais um clone para mim. Eu já tinha que me ver às voltas com um homônimo aqui na minha terrinha de cajueiros e papagaios; agora me vejo às voltas com outro Rafael Galvão. Há uma inflação de rafaéis por aí, e essa inflação diminui o valor do meu nome e achata o meu capital onomástico. Longe vão os tempos em que eu encostava numa Maria qualquer e ela dizia: “Rafael? Mas que nome lindo!” Agora, se eu fosse fazer isso, a resposta seria diferente: “Ah, Rafael é o nome do cachorro de minha tia. Mas você não é Galvão, não, né?”
Piorando as coisas para mim, o sujeito é poeta. Dorme, o desgraçado, com a minha inimiga. Dá vontade de dizer para o Amaral: olha, poeta, um Rafael melhorado!, mas eu ainda continuo com a minha política de dar rasteiras nas musas, aquelas vadias, e andar para a poesia. É por isso que não posso então gostar do novo Rafael que me apareceu. Se fosse só blogueiro, tudo bem, que ser blogueiro é desgraça pouca. Mas o sujeito é poeta. Vai arruinar minha reputação de homem sem poesia e sem beleza interior; o poeta Rafael Galvão pode fazer com que pessoas que eu não conheço digam: “ah, o Rafael Galvão? Ele tem uns poemas excelentes.” (Ou, pior, podem dizer: “Rafael, aquele poeta de merda? O sujeito é ruim demais.” Alea jacta est.)
É por isso que eu fico com inveja do Idelber. Segundo o Bia, o Idelber tem um nome tão desgraçado que ninguém teve coragem de copiar. Tem um vidraceiro por aí chamado Idelber Paganoto, mas não é mesma coisa — Rafael Oliveira, Rafael da Silva não me incomodam, esse Idelber não deve incomodar o Avelar. O problema é nome e sobrenome juntos, de uma só vez, o pacote completo. Roubem o meu nome, eu não ligo — na verdade esse meu também foi roubado — mas não roubem o patronímico. Porque eu achava que era essa combinação que me fazia único; essa combinação e a doçura que mamãe me deu. Agora só me resta a doçura.
Olhando esses clones todos, eu fortaleço a minha teoria que um doppelgänger é uma sacanagem da natureza, destinada a a baixar nossa auto-estima. E sim, estou dizendo aqui, com todas as letras, que sou melhor que o meu homônimo. Acho isso com sinceridade, do fundo do coração e com pureza d’alma. Mas, honestamente, tenho que admitir que é exatamente o que eles podem também dizer, com a mesmíssima razão: que são melhores que eu. O clone do Bia, por exemplo, pode olhar para ele e dizer: “Eu com o mesmo sobrenome dessa titica, Senhor? Ah, as provações pelas quais Satanás nos faz passar…” O Rafael Galvão que é poeta pode estar pensando: “Puta que pariu, eu aqui dando duro para para achar o alexandrino perfeito e lá vem esse babaca botar o meu nome na lama.”
É a minha vingança e o meu consolo. Os clones vão ter que passar pelas mesmas agruras pelas quais nós passamos. O Carlos Biajoni deve ter a mesma vergonha queo Bia sente ao olhar para ele, ex-viciado em Viagra e fã do Lou Reed. O Nelson Moraes médium pode pensar “Porra, tinha que ser goiano? Só pode ser um obsessor! Valha-me, meu Bezerra de Menezes!” E eu, bem, eu me contento em saber que envergonho o outro Rafael Galvão com a minha mera existência.