Oscars 2025

Preciso confessar minha má vontade em assistir a Wicked: Part I. Preciso confessar também que, quando isso acontece, o que me move é a esperança de que o filme me surpreenda e mostre que eu estava errado. Wicked não faz nada disso; é só o filho bastardo do Leão Covarde e Hermione Granger, coleção tediosa de clichês de um estilo de cinema americano que se esgotou na década passada, da trilha sonora ao desbarato de CGI, da fotografia de manual à exaustão de um mundo de fantasia obediente ordenhado sem cessar desde o início do século. É a Universal entrando de sola na prática da Disney de raspar o tacho de produções antigas, e o resultado é um filme quase impossível de assistir até o final. Para piorar, já anuncia de cara que vem outro por aí. Perderam completamente a vergonha. Uma colonoscopia é um programa mais agradável.

Dune: Part 2 é a conversão final de Hollywood ao sistema de sequelas (sic) que se tornou a norma na indústria. O primeiro era Star Wars escrito da maneira certa; este é só uma continuação. Mas que ninguém espere “O Poderoso Chefão II”, que isso ele não é. É por essas e outras que a Academia devia perder a vergonha e admitir séries em sua lista de premiações. O resultado seria melhor — talvez, talvez — e faria mais para tentar salvar o cinema do que a briga por estreias em salas de exibição.

Apesar de ser estranho um filme sobre a Igreja Católica sem menininhos com a boca cheia — de hóstias, meu filho, de hóstias —, Conclave é uma fita bem conduzida, correta. Também é conservadora como a Santa Madre, mesmo quando aposta em uma situação delirante como um papa transgênero do terceiro mundo, e se destaca, mesmo, unicamente pela atuação soberba e contida de Ralph Fiennes e por um mistério ainda mais indecifrável que a Santíssima Trindade: a indicação de Isabella Rosselini ao prêmio de melhor coadjuvante. É melhor que aquele outro filme sobre papas dirigido pelo Fernando Meirelles — pelo menos aqui o cinegrafista não sofre do mal de Parkinson —, mas no fundo é medíocre e conformista. A ele resta rezar dez Ave Marias e cinco Pais Nossos e ir com Deus.

Anora é “Uma Linda Mulher” misturada com Tangerine, do próprio Sean Baker. Não é ruim de verdade, tampouco é bom, e em alguns momentos lembra “Triângulo da Tristeza”, com o mesmo discurso elitizado, simplório e míope sobre a luta de classes. Se pretende mais profundo do que aparenta à primeira vista; como nem sempre as aparências enganam, o filme é raso, mesmo. Aparentemente é o favorito para ganhar o Oscar, compreensível quando se lembra que “CODA” ganhou há alguns anos. Ao menos tem uma grande qualidade, e isso é inegável: tem peitinhos, bons peitinhos. Peitinhos andavam em falta nas cerimônias do Oscar nos últimos anos. Já é alguma coisa.

A Complete Unknown é uma espécie de Bohemian Rhapsody sobre um artista mais importante e realmente revolucionário. No fundo é óbvio, previsível, como virtualmente toda cinebiografia. Mas tem o clima certo, Chalamet personifica um bom Dylan, o diretor faz as escolhas certas dos pontos realmente significativos na primeira parte da vida de Dylan e conta direito a sua história, embora sem nada de realmente brilhante. Para fãs do bardo como o autor destas maltraçadas, é muito interessante; como cinema, não tem absolutamente nada demais.

Todo mundo já viu Ainda Estou Aqui, então todo mundo tem sua opinião formada. É bom cinema, um concorrente digno com grandes qualidades, da direção de arte esmerada à fotografia elegante. É também uma cinebiografia que obedece fielmente aos princípios básicos do gênero, e no fim das contas é carregado pela interpretação estarrecedora de Fernanda Torres, de longe a melhor entre as indicadas; além disso, tem mais significado para brasileiros que para espectadores alheios à nossa realidade e a nossa história. O Brasil já concorreu com filmes melhores — “Central do Brasil” e, principalmente, “Cidade de Deus” — e piores — “O Quatrilho”. Não tem (ou não deveria ter) a mínima chance, claro, e se ganhar o Oscar de melhor estrangeiro vai ser apenas por causa da campanha gigantesca feita pela distribuidora.

Nickel Boys é um filme sobre a experiência negra em uma América racista, segregada e violenta. É o de sempre: a tese e a denúncia validadas pela experiência individual. Mas não é seu panfletarismo o problema aqui: agora essa história é contada por câmeras subjetivas que, se se elevam acima de experiências similares anteriores, ao mesmo tempo fazem com que suas quase duas horas e meia pareçam durar muito mais tempo. No fim das contas, é mais ou menos o mesmo filme a que assistimos de vez em quando, e não fosse a sua ambição formal, estaria mais baixo nesta lista.

Misture “O Retrato de Dorian Gray” e “A Coisa” e “A Mosca” e “Carrie, a Estranha”, chame a Hammer para produzir e você terá The Substance. É um bom filme, em que pese toda a sua previsibilidade, dirigido com estilo e visão por Coralie Fargeat. E talvez o melhor dele seja a falta de vergonha e pudor em assumir o final mais absolutamente escatológico e alucinado e demente que já se viu em um concorrente ao Oscar de melhor filme. Quer dizer, o final e o fato de também ter peitinhos, embora os de Demi Moore, que em primeiro lugar oferece uma grande atuação, já tenham visto dias melhores.

The Brutalist bem poderia se chamar “O Brutalizado”, e não deixa de ser mais um daqueles exercícios de masoquismo judeu como “A Escolha de Sofia”, “A Imigrante” ou o belo “O Filho de Saul”, que buscam convencer o mundo de que o sofrimento ainda é propriedade exclusiva do povo hebraico. É mais longo que o Antigo Testamento e igualmente fantasioso, porque quem anda tomando no cu hoje em dia não são os judeus, são os palestinos. E diante disso, é impressionante que o resultado seja o filme magnífico que é. The Brutalist conta sua história de maneira excepcional, com uma fotografia excelente, direção soberba e grandes interpretações, especialmente de Adrien Brody. Um dos dois melhores concorrentes ao Oscar — e se alguém disser que é o melhor, eu não vou discutir.

O pachequismo tupinambá (e o panchismo mexicano, para sermos justos) escolheu Emilia Pérez como seu arqui-inimigo e se empenhou naquilo que os gringos chamam de hatchet job, algo quase inevitável em plagas onde uns oram para pneus e outros fazem de “Ainda Estou Aqui” o encarregado do resgate impossível de uma nação estupidificada e dividida. Acontece que “Emilia Pérez”, que não tem nada com isso, é de muito longe um dos dois melhores entre os concorrentes ao Oscar, e só ganha de “O Brutalista” por sua inventividade e sua contemporaneidade. É duro, é lírico, com reviravoltas surpreendentes e letras sublimes em vários momentos. Um belíssimo filme sobre o amor, sobre a natureza humana, sobre a inexorabilidade do destino. E no mínimo serve para nos lembrar que, como dizia um ensaio clássico de Gore Vidal, “sexo é política”.