Em agosto, o Hermenauta fez um post sobre os 30 anos das sondas Voyager. O Hermê tem dessas coisas científicas. Acompanha esses trecos como acompanha as asneiras faladas pelo Reinaldo Azevedo, o chihuahua da direita brasileira.
O que me chamou a atenção no episódio foi lembrar dos discos cheios de inscrições incluídos nos artefatos. Trazem uma série de informações destinadas a fazer com que os ETs que pegarem o disco saibam de onde vem a sonda, onde fica a Terra e que somos minimamente inteligentes.
Não entendo de ciência, como não entendo muito sobre quase nada. Talvez por isso as inscrições sejam, para mim, ininteligíveis. Se alguém me desse o disco, eu não conseguiria decifrar absolutamente nada.
É justamente essa a questão que os discos das Voyagers sempre levantou para mim: assim como criamos um disco com rabiscos que, ao comum dos mortais, nos parecem absurdos, quando estudamos inscrições antigas e concluímos que ela é um retrato do cotidiano de civilizações que sequer chegamos a conhecer, não estaríamos partindo de um princípio errado, que aquilo não tem nada a ver com aquela civilização, que foi uma concessão feita por elas para que outras civilizações as compreendessem? Que tudo o que julgamos saber sobre civilizações perdidas não corresponde em nada à realidade?
Eu gosto de imaginar um maia, carregando um coelho (que assim como a hóstia significa a carne do homem) para o sacrifício no alto de um templo emTikal, parando e olhando aquelas inscrições ininteligíveis e perguntando ao escriba que as fez: “Por que você escreve essas coisas que ninguém entende?” E o escriba, olhando o sujeito do alto de sua sapiência, com aquele desprezo que só aqueles que enxergam mais longe podem afetar, responde: “Porque assim vai ser mais fácil para outras civilizações saberem quem fomos nós.”
Mas o mais engraçado nessa linha de pensamentos bobos sobre ciência avançada é que esses presentinhos que a NASA anda mandando para o espaço poderiam ser uma declaração de guerra.
Não sei se muita gente sabe — quem não souber pode conferir no zoológico mais próximo –, mas quatis não toleram o barulho de um molho de chaves. Pode experimentar. Balance suas chaves e eles se tornam extremamente agressivos, começam a brigar uns com os outros, atacam o que virem pela frente. Para pessoas boas como eu, é uma diversão interessante em idas ao zoológico, uma pequena maldade que posso fazer às claras sem que ninguém perceba; e ainda vou encontrar outra pessoa boa que queira apostar comigo qual quati morre antes, enquanto balançamos discretamente nossas chaves. Mas divago, e deixe-me enxugar a baba que escorre da minha boca. Agora imagine uma raça que não tolera o espectro de sons contidos no segundo “Concerto de Brandemburgo”, de Bach, que foi para o espaço nas Voyagers, recebendo o disquinho. Uma raça extremamente evoluída de cabeças chatas: “Aqueles terráqueos fios duma égua estão tentando nos matar, e ainda deram a localização do cafofo deles porque acham que nós somos uma ruma de frouxos”. E viriam para cá dispostos a acabar com a nossa raça estupidamente pretensiosa como num livro de H. G. Wells.
Pode até ser masoquismo, mas eu gostaria muito de ver uma cena dessas.