Como sempre, preciso de dinheiro.
E nessas horas é que a crise pare a oportunidade.
Sempre me incomodou o fato de não saber como ganhar dinheiro com a internet. Mas a Crica finalmente me mostrou o caminho.
Eu vou virar ghost writer daquele pessoal que se expõe nas vitrines do Par Perfeito e similares.
Será um serviço feito sob medida para aqueles homens necessitados e desesperados, ou simples maridos entediados que usam o site para pular a cerca. Gente que precisa urgentemente de uma — ou outra — mulher, mas que não sabe escrever direito e assim perde boas oportunidades de encontrar o amor de sua vida ou, o que é mais provável, a trepadinha do fim de semana.
Porque até no mundo virtual a coisa anda complicada. A mulherada anda seletiva, exige que o sujeito escreva corretamente e com o mínimo possível de lugares comuns. É injusto, porque se fossem bonitos, ricos e inteligentes esses “bons partidos” estariam na rua, aproveitando a vida; mesmo assim elas insistem. Mulheres nunca foram justas, e essa é grande parte de sua beleza.
Começo a me convencer de que há um grande futuro nessa iniciativa. Afinal de contas, em um mundo em que as pessoas têm cada vez mais medo de se apaixonar por alguém real, em que preferem enamorar-se das imagens de si mesmo que vislumbram nas palavras dos outros piscando em seus monitores, há espaço para uma nova carreira. Isso diz respeito a segurança, ao medo de serem magoadas; e é aí que nós entramos.
A GhostLovers, Inc. pretende oferecer um jeito simples de fazer com que esses aspirantes a amantes virtuais evitem cair em lugares comuns escritos em mau português, ou descambem para pérolas do bom humor descolado como “Você já viu perereca tomar leite de canudinho? Quer ver?”.
Porque com essas cantadas ninguém vai longe.
Vai ser simples. O cliente passa o briefing e a gente escreve seus e-mails. A idéia é garantir que a mulher vá para sua cama, e só depois descubra que ele é analfabeto e chato, e que tem frieira no dedinho do pé.
Poderemos falar de amor com ternura e paixão. Não estaremos envolvidos no processo que gera o interesse de uma pessoa por outra, nenhuma combinação química além daquela vontade premente de ganhar dinheiro se processará em nossos cérebros. Teremos a frieza necessária para jogar pacientemente todos aqueles joguinhos de sedução, os pequenos avanços e refugos, os pequenos negaceios que fazem a delícia dos amantes.
Ou seja: seremos apaixonados com juízo.
Estaremos para o amor como os jogos de ação estão para as guerras reais: você pode ter a mesma sensação, sem nenhum dos riscos. Na prática, seremos garantia de sucesso para sua empreitada, esteja você apaixonado ou simplesmente querendo carne nova.
Também poderemos evitar alguns traumas pós-coito. Melhor ainda, poderemos otimizar (já estou treinando o jargão) a única parte mais difícil que a conquista: a separação.
Por exemplo, o sujeito já comeu a coitada e agora quer ir embora. Mas terminar um namoro é sempre chato, e a maioria das pessoas fica tentando achar o melhor jeito de romper sem magoar a outra. Como normalmente esse pudor se deve não aos sentimentos da outra pessoa, mas à sua própria vaidade — porque não quer se sentir mal, não quer que sua imagem seja arranhada –, nós faremos esse trabalho sujo para ele. Cuidaremos de tudo e garantiremos que a pobre-de-cristo nunca mais lhe encha o saco. Ela vai entender o nosso recado, pode apostar.
Também poderemos realizar pequenas vinganças. Por exemplo, ela terminou com você de uma forma que o humilhou para sempre, que lhe deixou minúsculo, e você não sabe o que responder? Deixe que a gente resolve. Nós a humilharemos para você. Podemos ser maus, cruéis, perversos, porque nada disso é difícil quando você não tem nenhuma razão para segurar sua raiva.
Ela vai se arrepender de ter ousado tripudiar de você. Você broxou? Foi porque ela é uma baranga derrubada com crateras de celulite, bunda mole e pele flácida. Você não é mal-dotado; ela é que é larga. Ela disse que você é um fracassado? Na verdade ela é que não vale a pena por você gastar o seu dinheiro, ela é só uma mulher barata. Um tira-gosto.
A GhostLovers diz respeito a competência, não a escrúpulos.
Mas preferimos, claro, ser amorosos e bons. Porque acreditamos no amor, como putas que ao amanhecer voltam para casa e para seus filhos e maridos.
Acho que faremos sucesso.
Originalmente publicado em 06 de setembro de 2004