De madrugada, vindo do bar do Pinto com os bolsos vazios como de costume, Carlos Alberto senta à máquina e declara ao resto da redação:
— Tem um concurso de poesia vindo aí. Tô precisando de dinheiro. Vou fazer um poema pra ganhar o primeiro prêmio.
Faz.
— Agora vou fazer um pra ganhar o segundo prêmio.
Faz.
— Agora, o terceiro.
Faz.
Vence o primeiro e o terceiro lugares. Mas as Parcas insistem em cortar o fio da sua empáfia, como farão repetidas vezes com seus descendentes, e o segundo prêmio vai para outra pessoa.
Nega Lia vive sendo presa. E um dia Carlos Alberto lhe dá algumas dicas sobre o que fazer quando lhe prenderem.
Em sua próxima prisão, Nega Lia segue à risca o conselho.
Lambuza o corpo inteiro de merda e sai andando, tranqüila, em direção à porta. Conforme a previsão, ninguém tem coragem de pará-la. E então ela avisa que vai cumprir a última parte do roteiro que lhe foi dado:
— Agora vou dar um abraço no secretário de Segurança.
Os policiais entendem que isso é demais. E avisam que ela pode ir ambora, mas se subir à sala do secretário eles atiram.
Com um mínimo de sensatez, ela sai da Secretaria de Segurança. Na porta se vira e começa a fazer escândalo.
— Vocês são um bando de merdas. É tudo burro. Foi Chatô quem me disse o que fazer. Chatô é mais inteligente que vocês todos.
E nos próximos dias Carlos Alberto tem que ouvir as reclamações do pessoal, que acha que alguns conselhos não devem ser dados.
Noite de sexta-feira, Carlos Alberto e Marcelo sobem a Ladeira da Barra chutando lata, reclamando dos bolsos vazios.
De repente uma vernissage, e Carlos Alberto descobre onde beber.
Entra, se aproxima de um quadro e começa a fazer comentários elogiosos e aparentemente eruditos sobre a peça. O marchand se aproxima, deliciado. Agora o uísque e os canapés chegam a eles com fartura e pontualidade.
— Passe na agência segunda à tarde, para entregar o quadro e pegar o cheque.
E então a noite está liberada, e mais uísques e mais canapés.
Segunda-feira e o marchand bate na agência, trazendo o quadro embrulhado para presente numa Kombi.
— Carlos Alberto, tem um sujeito aí fora dizendo que veio entregar um quadro que você comprou.
Ele sai e vê o sujeito.
— Pois não, meu amigo?
— O quadro que o senhor comprou…
— Eu não comprei quadro nenhum. Eu nem conheço o senhor.
— Como não? O senhor foi à vernissage na sexta, comprou o quadro, bebeu uísque…
— O senhor me deu uísque? Então tá explicado. Mas vai, mostra aí o quadro.
O sujeito desembrulha seu pacote.
— Esse quadro é uma merda. Eu nunca compraria uma coisa ruim dessas.
E volta a entrar na agência.
O prazo para apresentação do anúncio está chegando ao fim, mas Duda olha em volta e não tem anúncio e não tem Carlos Alberto.
A agência, a esta hora, está desesperada. As secretárias choram.
Carlos Alberto chega na agência e Duda lhe dá um esporro:
— Porra, Jesus, cadê o anúncio?
— Duda, eu deixei na sua mesa ontem.
E começa a procurar. Duda corre, chama as secretárias, colocam a sala de pernas para o ar.
A essa altura Carlos Alberto já saiu. Vai para sua sala, senta à máquina, escreve o anúncio e volta para a sala de Duda. Disfarçadamente coloca os papéis no meio da bagunça e espera acharem.
Quando acham — e aquela é uma bela peça — é a vez de Carlos Alberto comentar:
— Sabe qual é o problema, Duda? É essa bagunça em que a sua sala vive. Você devia ser mais organizado.
Antigamente era muito pior, mas ainda hoje, de vez em quando, me apresentam a gente da velha guarda:
— Esse daqui é o filho de Carlos Alberto.
Há muito me acostumei a fazer uma pequena correção.
— Não é bem assim. Aquele ali é o pai de Rafael Galvão.
A ordem dos fatores altera o produto.
Originalmente publicado em 08 de agosto de 2004
Eu gosto desse post.
Eu também gosto desse post.
Eu ADORO este post! Mto oportuno nesta semana, Rafa.
Bjos,
Agora faz sentido….rs
Figuuuuura!
it runs in families.
Esse Cazaberto parece ser uma figuraça, só que eu preferiria jamais trabalhar com ele.
E aí perderia a chance de trabalhar com um sujeito que fez história na propaganda baiana pela criatividade e inovação, Grande Líder.
Quem puxa aos seus não degenera.
Eu trabalhei com um Carlos Alberto…ainda estou em dúvida se sua genialidade era maior que sua cara de pau ou vice-versa.
Eu não conhecia o conto, boa forma de lembranças e homenagens. Beijus
ow figura, tava lendo uns posts atrasados, li o seu sobre o amigo botando a mãe no avião da tam…
abro o terra e me deparo:
http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI1091556-EI306,00.html
The Best of Rafa. Boa Idéia, meu garoto! Blogueiro também tem saudade.
Bom post. Tipo assim: ganha-se pouco, mas diverte-se muito.
gd ab
Rafa,
perdão por falar de um assunto todo diferente do post aqui nos comments, mas não resisti. Você por acaso teve a oportunidade de ver a manchete principal do Jornal da Cidade de Sergipe da edição de ontem (07/08) ? Estava lá em letras *enormes* : “200 sergipanos poderão ter o pênis amputado este ano”. E o sub-título: “O problema poderia ser resolvido com uso em larga escala de água e sabão”. Eu JURO que não estou inventando.
O post eu não conhecia e é muito bacana e divertido! Agora a nova interface do blog tá show de bola, hem? moderninho e tudo!
Nega Lia ganhou a noite!!!
Rafael, eu disse que prefereria não trabalhar com ele, não que não trabalharia.
Isso porque ele parece ser um cara complexo.
Já tinha comentado antes, mas eu também gosto deste post.
Eu já mandei essa conversa em vernissage! E olha que eu tenho 19 anos (16 na época, quem manda ter cara de velho?). Eu fazendo altos comentários pseudo-inteligentes, bebendo vinho e comendo bolachinhas sem-graça com algum frio à cima. Até que foi divertido.
E eu sempre falo que não sou parecido com tal pessoa, mas sim ela que é parecida comigo 😉
100+ 8)