Fui ver “Superman — O Filme” numa tarde de sábado de março de 1979, no cine Guarani, depois Glauber Rocha, ali na praça Castro Alves. Não tinha nenhuma paixão pelo Super-Homem, e se não fosse a reprise do Oscar naquela tarde, dificilmente teria lembrado de ver o filme.
Voltei fascinado. Lembrava de cada detalhe, de Clark Kent jogando um cristal verde para criar a Fortaleza da Solidão, do jeito como disfarçou para proteger Lois Lane de um tiro. Até deixei de chamar Míriam Lane por esse nome, e passei a falar Lois, como no filme. O Super-Homem virou Superman.
A coisa piorou dois anos depois. Fui ver “Superman II”, dessa vez no Liceu, nos fundos da Praça da Sé. Tempos idos em que ainda havia cinemas no centro da cidade e as praças eram do povo, novembro de 1980. E dessa vez saí do cinema “voando” da calçada para a rua de pé de moleque. Até hoje, “Superman II” é o meu filme preferido da série, embora eu saiba que o primeiro é melhor e mais importante. Mas eu preferia o II porque ali estava um homem capaz de jogar fora todos os seus super-poderes pelo amor de uma mulher. Talvez por já me adivinhar incapaz disso, tudo aquilo parecia absurdamente maravilhoso para mim.
Nos créditos finais de “Superman II” aparecia um aviso: “Breve, Superman III”. Aparecia aviso semelhante no créditos do primeiro filme, mas eu não tinha visto. O resultado foram três longos anos de espera pelo terceiro filme da série. Foi uma tortura. E quando finalmente chegou, foi uma grande decepção. Eu não me importei em ver o quarto e último filme.
Quase 30 anos depois, “Superman — O Filme” continua sendo um dos grandes filmes de super-herói.
Hoje, com a estréia de Superman Returns, essas memórias voltam, e fica uma certa saudade de uma infância que já se foi há muito tempo. Ainda não vi o filme, e quando assistir certamente não vou sair do cinema querendo ser Christopher Reeve para pegar a Lois Lane. Não vou sair com os braços estendidos e fingindo que vôo. Quase três décadas se passaram, afinal. Aprendi a me comportar.
Mas a curiosidade é enorme. Lendo as críticas do New York Times e da Veja, tem-se a impressão de que estão tentando falar bem de um filme de que não gostaram. A crítica da Veja, aliás, parece excessivamente inspirada pela do New York Times (algo comum: quando os Beatles anunciaram o projeto Anthology, em 1995, a crítica da Veja, assinada pelo Celso Masson, foi praticamente decalcada de uma matéria de capa da Newsweek de algumas semanas antes). Isabela Boscov — que não levo a sério desde que elogiou profusamente “A Vida é Bela” — chega ao ponto de detonar o primeiro filme, “dirigido sem muita personalidade por Richard Donner”. Mas “Superman” é brilhante (quanto à questão da personalidade, basta compará-lo com Ladyhawke para ver que as coisas não são bem assim), e Superman Returns, a julgar pelo pouquíssimo que já vi, parece ser bom.
Enquanto desde os primeiros teasers já dava para adivinhar que Batman Begins seria o filme medíocre que foi, Superman Returns faz boas promessas. Batman Begins se beneficiou do fato de suceder quatro filmes decepcionantes; talvez por isso pareça melhor que o blockbuster falho que é. Superman Returns, ao contrário, precisa competir com um filme brilhante. “Superman” foi um marco. Todos os filmes de super-herói seguem a trilha aberta por ele. Mesmo em comparação com os excelentes “Homem Aranha” I e II, “Superman” leva uma vantagem: a cena do passeio do protagonista e Lois Lane pelos céus de Nova York. Esse lirismo nunca mais foi igualado em filmes do tipo, mais preocupados com as cenas de ação. “Superman” era tão bom que até nos fez acreditar a todos que a Margot Kidder era linda.
Competir com um filme decisivo para o seu nicho parece ser um problema, à primeira vista. Mas talvez não seja tão grande.
Superman Returns parece ter conseguido dar um novo sentido a um super-herói problemático. Resgataram de certo modo o significado nietszcheano original do nome, distanciando-o um pouco do papel de leão de chácara do american way of life. Tem defeitos mais que óbvios, claro. Ao que parece, cometeram um erro bobo ao dar um filho a Lois Lane; no universo dos quadrinhos, famílias e filhos costumam ser um problema estrutural que atrapalha as possibilidades dramáticas a longo prazo. A duração — duas horas e meia é Berlin Alexanderplatz para um filme de ação — parece excessiva.
Mas o maior problema, mesmo, é de origem: o Superman é um personagem difícil. Por sua própria natureza, oferece menos possibilidades que a loucura do Batman ou os problemas-de-gente-comum do Homem Aranha. Mesmo assim, dentro do possível, os produtores de Superman Returns parecem ter feito um bom trabalho.
Brandon Routh vai ter que concorrer com Christopher Reeve. Mas esse aspecto, tão propalado, deve ser menos importante do que parece. Primeiro porque as novas gerações não tiveram com Reeve a relação de paixão que se teve em 1978, não têm esse referencial. Segundo porque Reeve, para os fãs — e entre eles me incluo — está um nível acima de qualquer coisa.
Posso vir a desdizer tudo isso amanhã, mas Superman Returns promete ser um bom filme.