Esses americanos são uns loucos. Cultivam a imagem de adoradores incondicionais do sucesso, bons protestantes que são. Mas gostam mesmo é do fracasso, da morte espetacular. São uns argentinos que falam inglês naturalmente.
Marlon Brando e James Dean, por exemplo. O primeiro é um ator infinitamente superior, mas foi Dean quem se tornou ícone absoluto e imediato, com apenas três filmes. Só porque seu Porsche Spyder foi arrebentado numa curva.
Kennedy, então, nem se fala. Não fosse Lee Osvald e ele dificilmente seria lembrado como o semi-deus em que se tornou. A mitologia que se cirou em torno dele, a idéia de uma Camelot à beira do Potomac, se tem lá suas razões, parece uma grande brincadeira quando se lembra que o sujeito gostava mesmo era de Ian Fleming. É o fato de morrer no auge que o torna inesquecível. Tivesse sobrevivido e sido reeleito, provavelmente seria lembrado como Lyndon Johnson hoje.
Em 1980 os Beatles caminhavam placidamente para um relativo ostracismo. Então Mark David Chapman deu cinco tiros em Lennon e a tragédia menor de uma banda passou a ostentar dimensões épicas. E criou, também, o mito de Lennon. Enquanto os dois eram vivos, McCartney fazia mais sucesso do que ele, e os críticos davam opiniões igualmente variadas a ambos. Morto, Lennon passou a ser um santo.
De Elvis, então, nem se fala. Longe da música durante a maior parte dos anos 60, em 1977 ele era uma sombra cafona que fazia a delícia de mulheres de meia-idade nos salões de Las Vegas. Bastou morrer, esmagado pela própria decadência física, moral e artística, e o resultado é que até hoje esses americanos loucos o vêem em cada buraco dos Estados Unidos. O Elvis que admiram não é o jovem louro de 1956 que escandalizava as beatas puritanas e trazia um sopro novo à música do país; é a caricatura brega, insignificante em meio a golpes ridículos de caratê. Elvis é, talvez, o maior símbolo dessa mania americana de admirar o fracasso dos outros.
Eles deviam aprender com a gente. Brasileiros não gostam de fracassados; esses são normalmente relegados ao mais profundo esquecimento. A gente gosta de quem realmente faz sucesso, nem que seja para falar mal deles. Por isso, a reclamação de Tom Jobim de que brasileiro tem inveja de quem faz sucesso é só o outro lado dessa fascinação. Brasileiro — e isso inclui até homens brilhantes como Jobim — gosta tanto de sucesso que o considera algo sagrado, o prêmio máximo, e quem o alcança deve ser erigido à categoria de vaca sagrada do qual deve ser pribido, sob pena dos piores suplícios, falar mal.
Nós é que somos os verdadeiros americanos.
Depois deste post, sugiro um novo, trazendo a tão almejada receita para se tornar um ídolo e permanecer eternamente na mente insana da sociedade.
O primeiro passo já foi dado: morra.
Como bem disse Jimi Hendrix: “Quem morre, está feito pro resto da vida”!
Bom fim de semana!! Beijus
Não sei, mas tenho a impressão que os norte-americanos gostam sim do fracasso, da tragédia, da morte prematura. Mas desde que esses infortúnios se passem com alguém que já esteve no topo. Seres medianos estão fadados ao “foda-se, o que eu tenho a ver com isto?” ou no máximo acabam virando uma “lenda urbana”.
Sei lá, mas esse papo de tragédia americana, fracasso, etc… me lembrou A MORTE DO CAIXEIRO VIAJANTE. Por sinal, um baita filme!
Até
Quais os mitos brasileiros? Ayrton Senna? Carmen Miranda? Manonas Assassinas? Getulio Vargas? Vc acha que Lennon não fez sucesso. Nem Marylin Monroe? O sucesso de Elvis foi pouco? Rafael, pela primeira vez vou discordar de você. Os brasileiros só amam aquilo que a mídia diz que eles têm que amar.
gd ab
Olha que tem gente aqui que nem morrendo, hein?
hauahhaha esse é o cúmulo do fracasso MESMO.
Morreu e nem sequer chamou a atenção.
Rafael, estamos vivendo uma excassez de ídolos. Quem é o ídolo atual americano? E brasileiro? Tem algum no mundo? Beijus
Nossa! essa excassez foi tão f* que travou tudo aqui!! Pensa que ex de ex-idolo e fica tudo bem! (rs*) Beijus
Outro dia estava lendo um post do Alexandre Soares Silva (eu acho) que comentava a diferença sobre as lendas brasileiras e aquelas estrangeiras. Ele dizia que todas as nossa lendas tratavam de deficientes físicos, como o Curupira, o Saci e a Mula sem cabeça, enquanto outros países produziam super-heróis como Drácula e Lobisomem, que se transformam.
No caso dos nossos ídolos, estamos empatados com os americanos, pois só sabemos reconhecê-los depois de mortos.
Foi Getúlio quem disse: “Deixo a vida para entrar na história”. O povo tem um ditado mais ou menos assim: “Depois de morto, ninguém tem defeito”. Mas seu post aponta para algo interessante: quantos se tornam ídolos somente depois da morte?
Penso que já demonstramos ser muito mais americanos do que eles. Nós aqui temos mais liberdade; mais sem-vergonhice também, mas pelo menos ela não é tão escondida; somos mais “evoluídos” em muitos aspectos e temos figuras muito mais interessantes para serem ídolos.
Meu ídolo é Macunaíma, o anti-herói.
abraço
Há tempos não andava por aqui, pois a minha CPU acho que ficou com inveja da sua: suicidou-se (para entrar para a história, será?).
Lembro que na época que o Elvis morreu, fiz uma crueldade: como era uma época de peste suína no Brasil, montei uma “manchete” (na copiadora e no recorte, naquela época, computador era, para mim, inacessível!): “A PESTE NÃO ESCOLHE VÍTIMA!”. Coloquei na mesa de uma coroa que delirava pelo cara (e pelo Cauby!). Foi um reboliço no escritório, a mulher passou mal, chorou e o escambau…naquele momento, tive a certeza absoluta de que eu era um cínico, pois fui consolá-la e – como ela estava lá pelos seus trinta e cinco e tinha um belo par de seios e uma bunda de responsa – acabei enxugando as suas lágrimas com o lençol…
eu sempre achei que esse fenômeno de santificar os mortos era mais algo universal que local.
mas, agora que eu parei pra pensar direito… continuo achando a mesma coisa!