Semana retrasada a produção do programa do Paulo Lobo, que fala sobre as ruas de Aracaju, me convidou para dar uma entrevista rápida. Quando fomos gravar, Paulinho me disse: “Quando me contaram eu pensei: mas logo o Rafael? Ele não gosta de Aracaju!”
Fama é uma coisa horrorosa, embora nem sempre seja verdadeira. A minha é de que não gosto de Aracaju. Paciência. Agora parece que ela está se espalhando. Uma moça chamada Joilma deixou este comentário aqui:
Olá Rafael,
Como pude perceber seu grande problema não é ‘praia’ e sim, o local onde está a praia. Aracaju tem praias belíssimas,a orla mais bonita do Brasil e cada um aproveita essa beleza como pode e como gosta. Nada impede que vc pesque, nade, caminhe horas e horas, só depende de vc, que aliás, é vc que tem que se adaptar ao lugar e não o lugar aos seus costumes. Do contrário, meu caro, mude-se para Salvador ou pegue um ônibus todos os finais de semana caminhe chupando picolé ou tomando suco de limão e retorne no fim da tarde.
Afinal, se a prainha da Barra é tão maravilhosa e inesquecível porque mudou-se de lá?
Ter o privilégio de comer caranguejo e os melhores frutos do mar na orla mais bonita e estreuturada do Brasil é para poucos,é privilégio daqueles que sabem ver a antureza com os olhos da diversidade. Reveja seus conceitos.
Até breve!!!!!
Fui olhar o post para ver se tinha batido demais em Sergipe. Não tinha. Apenas contei que tinha perdido o hábito de ir à praia quando vim para cá. E que as praias daqui são feias. Só isso.
Ah, mas isso é inaceitável. Não gostar de tudo o que é sergipano é um ataque imperdoável à “sergipanidade”, seja lá o que ela for. Não dizer que esta é a cidade mais bonitinha do Brasil é fazer com que alguns sergipanos mais sem noção subam nos tamancos — ou nas alpercatas — para defender os brios de sua terra e as belezas inexistentes de sua cidade.
Nesse aspecto, Sergipe foi amaldiçoado pela natureza. As praias de Aracaju são feias, de águas turvas. Há várias explicações para isso. Uma é o rio São Francisco, cujas águas são trazidas para o sul pelas correntes marinhas. O resultado, como pode ser visto na foto ao lado, é trágico. Acima fica Alagoas, cujas praias são provavelmente as mais belas do Brasil. Abaixo, com as águas barrentas já se dissipando, fica a Bahia. A outra explicação é a inexistência de recifes na costa para evitar as partículas em suspensão.
Isso não são conceitos, são fatos, e fatos não podem ser revistos, apenas aceitados mesmo que batam de frente com seus conceitos.
A Joilma tem razão quanto à orla. É bonita, e está ficando linda; ficaria ainda mais se o governo não desviasse tanto dinheiro da obra. Tavez não seja a mais bonita do Brasil porque uma orla não se define de maneira tão simples, mas está entre elas. O detalhe é que a intervenção humana (e mesmo assim apenas a parte da praia; atravessando a rua já no primeiro quarteirão a feiúra impera) não consegue dar um jeito nas águas feias da praia de Atalaia.
Isso é o que existe de mais engraçado em alguns sergipanos. Essa suscetibilidade imediata, e a capacidade de se irritar sempre que alguém ousa falar que Aracaju não é a cidade mais “bonitinha” do Brasil, a revolta com tudo o que fala de Aracaju sem reverências descabidas.
Pois bem, Joilma, deixa eu te falar uma coisa. Aracaju é uma cidade bonitinha porque é agradável, boa de se morar, arrumadinha e porque seu povo, quando não cospe seu eventual complexo de inferioridade, é bastante simpático. Mas isso não quer dizer que ela seja lá grandes coisas do ponto de vista estético. Para começar, é um “deserto arquitetônico” — e a expressão nem é minha, é de um guia turístico inglês. Seu traçado quadriculado, à la Manhattan, impede grandes variações urbanas — e isso sem a exuberância arquitetônica novaiorquina.
Aracaju foi fundada há 150 anos, mas existe, mesmo, há uns 50 — época em que investimentos públicos a reboque da descoberta de petróleo em Sergipe trouxeram um pouco mais de desenvolvimento para a cidade, através da Petrobras e o BNB. É até hoje uma cidade eminentemente de classe média, baseada no funcionalismo público. Tem qualidades como um déficit habitacional mínimo se comparado a outras cidades. Aracaju não sobe muito alto, mas também não desce muito baixo.
O problema é que alguns sergipanos, com uma auto-estima talvez baixa por morarem em um Estado que não tem a proeminência de vizinhos ilustres como a Bahia ou Pernambuco, não conseguem perceber que isso é uma qualidade e resolve inventar algumas inexistentes. Acabam vendo beleza onde ela não existe.
Mas embora a Joilma mostre um certo grau incômodo de burrice quando diz que meu “problema não é ‘praia’, e sim o local onde está a praia”, já que em todos os anos morando no Rio eu fui para a praia menos vezes do que os dedos que o Lula tem na mão esquerda; que eu tenho que me adaptar a um lugar quando isso nunca esteve em questão; quando pergunta com aquele ar de ignorância arrogante por que eu saí de Salvador quando mais inteligente seria perguntar por que eu me mudei do Rio; mesmo com tudo isso, talvez ela tenha razão. Eu vou fazer como a Lucia Malla, cujo avô é nome de avenida aqui mas nem isso faz com que more em Aju City. Eu vou me mudar para a Coréia.
A propósito: eu não costumo comer caranguejo. Comida trabalhosa e suja demais. Mas, se os sergipanos têm esse orgulho todo de seus crustáceos, não serei eu a contar que o caranguejo do Beach Park, em Fortaleza, é muito melhor que o que você encontra em qualquer bar sergipano. E que a casquinha de caranguejo do Bar no Marcelo, na praia da Tabuba, também no Ceará, é a melhor que alguém já provou.
Se eu disser isso a Joilma me processa. Ou então se suicida.