Normalmente gosto das traduções brasileiras para títulos de filmes.
A maioria se limita a traduções literais. Pretty Woman vira “Uma Linda Mulher”, Ladri di Bicicletti se torna “Ladrões de Bicicleta” e por aí vai. Esses não interessam.
É quando os tradutores liberam sua veia de escritores obrigados a ganhar a vida de forma pouco glamourosa que a tradução se transforma em arte.
O exemplo clássico é The Wild Bunch, que aqui virou “Meu Ódio Será Tua Herança”. Um título muito, mas muito melhor que o original anêmico. Era a época do western spaghetti e os tradutores estavam com aqueles títulos italianos maravilhosos na cabeça. Aliás, aquele era um celeiro de grandes títulos, escandalosos, escrachados, latinos. Os italianos certamente tinham noção do que era um europeu fazer um western, e pelo visto abordavam a coisa com um tom de paródia que fez muito bem ao gênero. O western spaghetti é uma drag queen.
(Isso só não explica por que The Good, The Bad and The Ugly virou o bobo “Três Homens Em Conflito”.)
Mas o trabalho dos tradutores é mais difícil que isso. Por exemplo, pegue-se Mr. Smith Goes To Washington. É o típico filme de Capra, o sonho americano mostrado através de sua antítese. O título original faz alusão à possibilidade de o homem comum ter voz no centro de poder dos Estados Unidos. E isso todo americano com um nível razoável de educação entende. Mas, como eu não canso de repetir, para um brasileiro mister Smith pode ir para Washington, para o Winsconsin ou para a puta que o pariu, tanto faz. Não dava para traduzir por “Seu Silva Vai Para o Catete”. E então se tem um título como “A Mulher Faz o Homem”, que ilumina um aspecto totalmente diferente do filme, quase transformando-o em um manifesto feminista.
Outra boa tradução é a de Midnight Cowboy. Bom título, certo — mas “Perdidos na Noite” é ainda melhor e traduz perfeitamente o espírito do filme. E High Noon? Enquanto o título original carrega no suspense que permeia o filme, o brasileiro — “Matar ou Correr” — define o dilema existencial de Gary Cooper. É difernete, mas igualmente brilhante.
A maioria dos títulos traduzidos tenta se adaptar à cultura local de sua época, dando a cor que os tradutores acham que o público espera. Rebel Without a Cause virou “Juventude Transviada” por isso, porque esses termos eram mais comuns no Brasil da época. Na mesma linha há “Os Brutos Também Amam”, versão sem nenhuma relação de Shane. Cá para nós, o filme sequer tem tanto amor assim; e a pessoa que mais ama é o garotinho, que nem de longe é bruto. Mas é preciso admitir que é um título muito melhor que o original.
Talvez o melhor exemplo de tradução que acrescenta ao filme seja “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder. O título original, Sunset Boulevard, se refere à decadência do star system de Hollywood através da decadência de uma de suas ruas mais simbólicas. “Crepúsculo dos Deuses” absorveu essa idéia de degradação e de fim e foi além, dando uma idéia mais grandiosa do que aquele processo de decadência (que se repetiria mais tarde, naquela mesma década) significava.
Em comparação, a versão em espanhol se chamou El Ocaso de una Estrella. Tão pobre.
Mas os maus exemplos não se limitam à península. Unforgiven, aqui, virou “Os Imperdoáveis”. Com o perdão do trocadilho, imperdoável é isso. A tradução errada tira todo o significado do filme. Eastwood, Freeman e Hackman não são imperdoáveis, são imperdoados. Há uma diferença muito grande entre as duas palavras; o título brasileiro retira do filme toda a possibilidade de redenção a que eles almejam. Um se refere ao passado e o outro a uma situação imutável. Do mesmo modo, All About Eve ter virado “A Malvada” tira muito da idéia de biópsia de Anne Baxter. E A Streetcar Named Desire traduzido como “Uma Rua Chamada Pecado” é um crime contra Tennessee Williams. Até hoje me recuso a pronunciar esse nome.