Essas pessoas esquisitas e suas máquinas nada maravilhosas

Meu Deus. Meu Deus do céu. Onde vamos chegar?

Não que eu seja exatamente puritano. Nem que esteja lá muito preocupado com o jeito como as pessoas aproveitam suas horas diante de computador. Mas que as coisas estão fugindo a qualquer limite, estão.

E a cada dia eu me rendo novamente à evidência de que meu bisavô era um sábio. O velho Valois dizia que “Existe gente para tudo neste mundo. E ainda sobra um para comer merda”.

Como xingar um juiz autoritário

Soube pelo blog do Inagaki o caso do juiz que, numa decisão equivocada (alguém já notou que quando a gente quer ser educado e não chamar alguém de completo imbecil a gente diz que ele está equivocado?), retirou do ar um blog por causa de um comentário aparentemente pouco elogioso a respeito de uma empresa de recolocação profissional. Tenho algumas sugestões simples a fazer:

1 – Se você pretende registrar um domínio, registre fora do país. Um .com, .org, .net, no fim das contas, sai mais barato que os .br. Dê uma olhada no GoDaddy.

2 – Por via das dúvidas, garanta também hospedagem fora do país. São um pouco mais caros do que aqueles brasileiros mais baratos, estão na faixa dos medianos (você encontra coisa decente por 6 dólares mensais) e normalmente oferecem uma taxa de transferência muito maior que os brasileiros.

E então sinta-se livre para xingar o filho da puta que você quiser. Inclusive juízes, caso conheça algum juiz filho da puta. Eu, com o notório respeito que tenho pela classe dos que um dia alisaram os bancos da faculdade de direito, nunca conheci nenhum. Mas nunca se sabe.

Se você não está com vontade de xingar ninguém, pode contar piadas. Piadas não são ofensa; normalmente são grandes demonstrações de carinho. Por exemplo, sabe como a gente chama um advogado burro? Meritíssimo.

Ontem e hoje

Via John Robb:

Média mensal de baixas americanas (mortos e feridos) durante a invasão do Iraque: 482
Média mensal de baixas americanas (mortos e feridos) durante a ocupação do Iraque: 415
Média mensal de baixas americanas desde a transição para o “governo” iraquiano: 747
Número de ataques à indústria iraquiana do petróleo em abril de 2004: 4
Número de ataques à indústria iraquiana do petróleo em junho de 2004: 12
Número de ataques à indústria iraquiana do petróleo em agosto de 2004: 21
Preço do petróleo (contrato de cinco anos) 1991/2001: ~$20
Preço do petróleo (contrato de cinco anos) 2004: $35
Estimativa do número de guerrilheiros insurgentes no Iraque em novembro de 2003: 5.000
Estimativa do número de guerrilheiros insurgentes no Iraque em setembro de 2004: 20.000
Estimativa não oficial do número de guerrilheiros insurgentes no Iraque hoje: entre 40.000 e 50.000
Custo médio anual das guerras no Iraque e no Afeganistão para os EUA: ~$82 bilhões (o que foi gasto até agora e os $87 bilhões pedidos para 2005 para guerra e reconstrução)
Custo médio anual da guerra do Vietnã (em dólares de hoje): $61.8 bilhões

A propósito, estima-se que a média mensal de mortos iraquianos seja, por baixo, 20 vezes maior que a americana.

O décimo-sexto cigarro do dia

Pela primeira vez, demorei muito tempo para comprar um livro de Rubem Fonseca. Comprei “Diário de um Fescenino” dia desses apenas porque, já com uma coletânea de contos de I. B. Singer nas mãos, vi o livro e pensei que era uma indignidade relegar um livro do “Zé Rubem” a tamanho esquecimento. Troquei os livros, mesmo sabendo que em algum lugar iria me arrepender da escolha. Mas ingratidão é um dos raros defeitos que não consegui desenvolver, e eu devo muito a Rubem Fonseca.

Acho Rubem Fonseca um dos maiores escritores brasileiros do século XX. Ler “O Cobrador” foi um choque; e choque parecido tomei alguns anos depois quando li “Lúcia McCartney”. Este é, para mim, o melhor livro de contos já escrito em língua portuguesa.

Livros como esses e “Feliz Ano Novo” e “A Coleira do Cão” fizeram de um mim um sátiro e um glutão — quer dizer, fizeram de mim um viciado em Rubem Fonseca. É por isso que ano após ano ele vem lançando seus livros e eu os venho comprando. Já não faço mais como antigamente, quando comprava seus livros no dia em que chegavam à livraria; mas ainda compro. Mesmo sabendo que estou apenas alimentando meu vício fonsequiano, mesmo sabendo que dali a algumas horas vou terminar o livro que não consegui abandonar no meio com aquela mesma velha sensação de fastio, como o décimo sexto-cigarro do dia.

A boa notícia é que “Diário de um Fescenino” não é patético como “O Doente Moliére”. A má notícia é que não chega aos pés de nenhum outro romance seu — não consegue sequer ser superior ao “Mundo Prostituto”, mesmo com sua narrativa paródica.

A primeira coisa que qualquer pessoa nota ao ler o “Fescenino” é que o diário não é exatamente uma forma que Rubem Fonseca domine. Talvez se possa alegar que a estrutura que basicamente dá datas à mesma velha narrativa ficcional que Fonseca vem repetindo ano após ano é uma decisão consciente do autor; não parece ser, e de qualquer forma seria uma saída muito fácil. No final, o que se tem é apenas mais um romance fonsequiano, apenas com datas no lugar dos números dos capítulos. Mas ele tenta sempre lembrar que é um diário, e é nisso que se perde.

Depois vem a sensaçao de que você conhece o protagonista: é apenas Gustavo Flávio empobrecido espiritualmente e com outro nome, homem com outra linguagem mas com o mesmo espírito. E tantos outros personagens espalhados por tantos outros livros.

Fica a impressão de que Rubem Fonseca quis subverter o tema do livro, aparentemente encomendado por sua editora, falando menos de putaria do que de literatura. Se foi isso, Fonseca não conseguiu. Não há a crueza do Cobrador cuspindo na boceta da mulher que vai estuprar, nem Rufus é um esteta utópico como o velho e bom Morel; há apenas diluição, a repetição de uma fórmula gasta há muito tempo.

E restam os personagens, péssimos personagens. Nenhum deles é mais que uma caricatura; de Virna a Elizabeth, de Clorinda a Gouvêa&Soares, são todos apenas esboços tracejados em um guardanapo de bar, com o agravante de serem esboços já conhecidos. Finalmente o livro é resolvido com um deus ex machina medíocre e inconcluso, com um adendo final — o ressurgimento de uma personagem que, durante todo o clímax do livro, ficou de fora inexplicavelmente — que não é apenas dispensável, mas também improvável.

É por isso que Rubem Fonseca, hoje, é apenas o décimo-sexto cigarro do dia. Você espera por ele depois que fuma o décimo-quinto; mas depois, quando você está no trigésimo, o décimo-sexto sequer existiu, porque não é sequer um traço na memória: sumiu completamente no ar, se esvaiu em fumaça azulada.

Racismo

Comentários do Roger e do Nazir (e a bela história contada pelo Alexandre, umas mais saborosas sobre racismo que li nos últimos tempos), e depois um post do Allan me deixaram pensando qual a dimensão real do racismo no Brasil.

Não acho que ninguém saiba ao certo; no máximo sabe o que é sentir isso na própria pele, o que supervaloriza as coisas, e no mínimo sabe o que é nunca ter passado por isso, e portanto subestima o fenômeno. Talvez seja essa a grande diferença entre o racismo brasileiro e o americano: o brasileiro é mais fluido, mais diverso. No Brasil republicano, ao menos, nunca tivemos leis que determinassem a segregação. E mesmo no Brasil colonial e imperial, quando essas leis não eram necessárias, um escravo podia ter seus próprios escravos. Bastava ter dinheiro para isso.

Chegamos a ter nobres com o cabelo enroladinho.

Sempre lembro disso quando alguém deplora nossa colonização portuguesa. Acho engraçado quando alguém diz que o Brasil seria um país melhor se a colonização holandesa tivesse prosperado. Acho mais fácil acreditar que seríamos outra África do Sul — isso se fôssemos um só país, o que é improvável –, porque Nassau não poderia viver para sempre. Outros prefeririam ser ingleses. Se baseiam no fato de duas das ex-colônias dos bretões serem países avançados, os EUA e a Austrália, e esquecem convenientemente que o Império Britânico era composto de dezenas de outras colônias, nenhuma das quais se deu exatamente bem. Com sorte, talvez pudéssemos ser uma Índia.

Essa tolerância de que nos orgulhamos é produto da índole portuguesa, de seu laissez faire social, da sua adaptalidade. Mas costumamos nos esquecer dela. Por exemplo, esquecemos que o hábito de “amancebarmo-nos” sem que isso cause escândalo vem de Portugal, não foi invenção da permissividade dos trópicos. E a nossa paixão por água, que achamos que é herança dos índios e que brandimos com orgulho diante de franceses fedorentos, vem de lá, também, herança moura.

Até nossos preconceitos são portugueses. Se nosso arquétipo de sensualidade é a mulata, e as mulheres brancas são as mais indicadas para casar, é um hábito que trouxemos de Portugal — onde desde quase sempre as morenas mouras do sul eram as gostosas, e as louras do norte se destinavam a ser mães de família. (Algumas dessas louras davam errado, como Luísa que se acabou na cama de Basílio, mas isso é outra história.)

Basicamente, enquanto outros países institucionalizavam o separated but equal ou o apartheid, nossa política de Estado sempre foi a de reconhecer a igualdade na teoria, enquanto não dávamos condições econômicas para que eles superassem sua condição de cativos.

Para muita gente essa tolerância é uma prova de que o problema do negro do Brasil não é racial.

Eu cresci ouvindo uma frase em Salvador: “O maior inimigo do negro é o mulato”. É uma frase verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Verdadeira porque, sim, como disse o Roger, uma pele mais clara é um passaporte para uma posição social mais elevada. Mas é também uma mostra da divisão que a sociedade branca impõe aos negros — regra geral mais incultos e mais frágeis em termos de organização social.

É uma frase da mesma escola que diz que o racismo no Brasil é um problema econômico, e não racial. É racismo, sim. Em “Ser Escravo no Brasil”, Kátia Mattoso comenta que a sociedade baiana, após a Abolição, passou a ser mais preconceituosa e rígida em relação à “mistura”, porque já não tinha mais a instituição da escravidão a servir como anteparo.

Há uns três anos, a cunhada de um primo meu passou uns dias conosco, enquanto esperava o seu visto para os Estados Unidos. É uma negona baiana, com tererê no cabelo e tudo. Num sábado à noite fomos no Plaza Shopping de Niterói e entramos na Taco, porque eu queria comprar umas camisetas para as caminhadas que só comecei há pouco tempo.

O Plaza não é exatamente o Fashion Mall. É o destino de 10 entre 10 habitantes de São Gonçalo no fim de semana, e por isso é desprezado pela “elite” de Icaraí. E a Taco não poderá, jamais, ser acusada de rivalizar com as Kenzo e Gucci da vida.

Quando saímos, ela contou o comentário que entreouviu de um dos vendedores da Taco, em meio a risadinhas:

“Ih, vamos ter reggae hoje”.

Ainda tenho raiva dela por não ter me contado isso na hora, porque eu teria ido direto à gerência, dizer que enquanto ela estava passeando o sujeito estava trabalhando num sábado à noite numa loja vagabunda, e que ou ele era despedido ou nós processaríamos a loja por racismo.

E depois vêm me dizer que racismo é problema social. Então tá.

O novo sempre vem

Se alguém me perguntar qual a melhor coisa que apareceu na internet nos últimos anos, eu não terei dúvidas: o RSS.

O RSS alia a praticidade da Usenet à liberdade da web. Com isso, posso ler a maior parte do que me interessa offline, e em um só lugar (há uma série de agregadores, dos que rodam direto no browser como o Bloglines aos que rodam no Outlook, como o NewsGator. Eu prefiro um cliente específico e, depois de um tempo usando o NewzCrawler, experimentei o SharpReader e o FeedReader, que além de tudo são gratuitos, e nos últimos dias sosseguei naquele que acho ser o melhor de todos, disparado: o FeedDemon. Para o Mac há o NetNewsWire, e deve haver vários para o Linux, que desconheço — embora, se não me engano, o Evolution aceite feeds RSS).

O RSS é a melhor forma de organizar o catatau de informações que a internet oferece diariamente, e é uma vergonha que o Brasil esteja sendo tão lento em adotar, de maneira generalizada, essa nova tecnologia.

O mais engraçado é que mesmo usando o RSS há relativamente pouco tempo, eu já tenho minhas idiossincrasias. A principal delas é só manter assinaturas de blogs que oferecem feeds completos, em vez daqueles que oferecem apenas os parágrafos iniciais. Não apenas porque isso torna a premissa do RSS irrelevante, já que continuarei a ter que ir ao blog para ler o resto; mas porque é uma das maiores provas de incompreensão dessa tecnologia, pelo menos no que se refere a blogs.

E sim, isso é um recado a todo mundo que oferece apenas trechos em seus feeds, e a quem, podendo, não oferece nenhum.

***

Durante muito tempo fui usuário fiel da Usenet. Ainda hoje é lá que está o maior repositório de informações sobre os Beatles, no rec.music.beatles. No entanto ela tinha um problema: você precisava de um servidor para poder acessá-la, e a maioria era fechada — o Brasil nunca teve um decente, que eu saiba; o do UOL era uma palhaçada que não servia para nada.

Pra acessar a Usenet eu usava o Free Agent, o melhor leitor de newsgroups, na minha opinião.

10 anos se passaram e o RSS tornou a Usenet um tanto redundante; agora tem-se o mesmo mecanismo da coisa, só que distribuído de forma descentralizada.

Mas o Agent não acompanhou a mudança dos tempos. Continua preso ao mesmo velho paradigma (que palavra horrorosa) da Usenet. Podia ter aproveitado o aparecimento de uma nova ruptura na Internet para se revitalizar e ocupar novos nichos de mercado, mas não soube enxergar isso. Prefere se posicionar como leitor usenet e cliente de e-mail, onde nunca vai ser nada.

Depois esse pessoal, que perde o bonde por estar olhando para trás, percebe o que deixou passar e grita que a culpa é da Microsoft.