Fim de uma era

Quando eu tinha uns 8 ou 9 anos, em um daqueles filmes que a Disneylândia exibia nas tardes de sábado, fiquei conhecendo os São Bernardos que salvavam pessoas nos Alpes suíços, através da história do mais famoso deles, Barry.

Durante anos, fiquei com aquela história na cabeça. Os cães foram desenvolvidos pelos monges do hospício de São Bernardo (fundado pelo santo de mesmo nome), e salvaram mais de 2.500 pessoas.

Mesmo que eu quisesse esquecer a história não conseguiria. A imagem do cachorro babão com um barrilzinho de conhaque no pescoço era presença constante em desenhos animados.

O que eu não sabia é que desde o início dos anos 50 os São Bernardos não salvavam ninguém nos Alpes. Foram substituídos por técnicas mais eficientes, como helicópteros, GPS e outras trapizongas. Nem mesmo eram mantidos a postos: sua era havia acabado.

Agora os últimos monges — restam apenas quatro — estão vendendo os últimos 18 São Bernardos que restam no mosteiro. E mais uma era se acaba.

Branca, Branca, Branca!

As Lojas Americanas estão vendendo “O Incrível Exército de Brancaleone” por R$ 9,90.

Compre. Se você não tem dinheiro, peça, roube, tire da poupança de sua mãe, venda o seu corpo no cais para estivadores suados. Mas compre. Está tão baratinho que até eu, que tenho o vício de rondar o submundo das redes P2P e destruir vidas e carreiras de artistas mundo afora, matando-os de fome, comprei.

A edição é horrorosa. A distribuidora (o nome dela aparece na contracapa, mas se eu citar aqui posso vir a ser processado; escrever blog tem se tornado uma atividade insalubre) simplesmente copiou uma fita analogicamente para o computador, tacou um menuzinho safado e colocou à venda. Não fez sequer adaptações e correções da imagem. É o primeiro DVD com dropout que vejo na vida. É um trabalho porco, que desmerece a distribuidora (lembre-se, o nome está na contracapa do DVD) mas, principalmente, o filme.

Mesmo assim vale a pena. “Brancaleone” é uma das comédias mais brilhantes de todos os tempos, mesmo com todos os defeitos técnicos que uma produção italiana dos anos 60 tem: má dublagem, sonoplastia ruim, fotografia mediana. Mas o roteiro, a direção e os atores superam tudo isso. Prenunciou em alguns anos o “Monty Python em Busca do Cálice Sagrado”, mas é um humor diferente, mais latino, menos nonsense.

É um filme genial, que merece desde sempre uma restauração e remasterização. E merece que você compre.

Uma moça chamada Brazil

Via nomínimo (de novo), o caso de Cristina Schultz, brasileira que estudava em Stanford e até dia desses ganhava a vida cobrando 1,300 dólares para mostrar a cavalheiros ianques o que é que a gaúcha tem (além de muito silicone nos peitos e botox nos beiços). Por duas horas.

O belo blog Filisteu resolveu fazer da moça um caso de violação da nossa soberania, um motivo para deixarmos fluir nosso antiamericanismo e defender com unhas e dentes nossa pátria ultrajada.

Bobagem.

O problema da moça não vem do fato de ela ser brasileira. Não vem sequer do fato de ela ser puta. Cristina está no xilindró porque não cumpriu uma lei tributária americana, só isso. Mais graves são os casos de brasileiros detidos em aeroportos americanos, de diplomatas tupinambás se humilhando e tirando os sapatos para quaisquer guardinhas de alfândega. Isso vale mobilização e retaliação. O caso da Cristina, não.

Aliás, a celeuma que se criou lá foi por um problema interno, por grupos liberais que querem a descriminação da prostituição e dizem que o problema fiscal é apenas pretexto para o governo arrancar dinheiro da moça. Na verdade, é um monte de gente usando a pobre (quer dizer, pobre não) moça para fazer seus lobbies. Mas isso é problema deles. Não é nosso.

Tentar criar caso por causa de uma moça de vida fácil que não sabe sequer sonegar impostos é jogar o auto-respeito dos brasileiros no lixo. Se olharmos por outro ângulo, o nome de guerra da moça, Brazil, é uma grande sacanagem: ajuda a manter por aquelas bandas a idéia de que brasileira é puta. E ajuda a trazer para o Brasil hordas de operários atrás de meninas de 14 anos nas praias de Fortaleza e Recife.

Quanto à Cristina, olha, a moça estudou direito em Stanford. Deve entender um mínimo de leis americanas. E ainda que não entenda, cobrando quase 4 mil reais por duas horas de sacanagem ela tem condições de pagar o advogado que quiser. Ela se vira, podem deixar. Como diz em seu website, “A geminiana quintessencial, eu sou uma mistura incomum de boa menina bem educada e bachiana-erótica-sensual, com alguma doçura pé-no-chão no meio. Tenho certeza de que você não vai esquecer um minuto sequer passado comigo, e eu espero te encontrar logo”.

Agora, alguém pode me explicar se um diploma em Stanford faz uma noite com uma gauchinha valer 5 mil dólares? Porque se fizer eu vou para Harvard. Já sei até o meu nome de guerra: Male Goat.

Marketing político

Augusto Nunes em nominimo:

Como os jornalistas, como os advogados, como todos os cidadãos, também a turma do marketing político precisa entrar na roda. Pode um publicitário alugar a cabeça ao candidato que sabe não ser o melhor, que não mereceria seu voto, mas ofereceu vantagens financeiras inacessíveis ao concorrente a quem sobram virtudes mas faltam verbas? O pessoal do marketing político está à margem da ética? Leva quem paga mais? Perguntas desse gênero pedem, aos gritos, respostas imediatas.

O Augusto Nunes faz boas perguntas, mas faltam algumas: eu, por exemplo, queria saber se médicos só devem cuidar de pessoas que admirem, se dentistas só devem obturar dentes de gente em quem acreditam (sem contar aqueles do SUS que simplesmente arrancam os cacos cariados dos que não podem pagar o amálgama), se engenheiros só podem construir casas para pessoas que amem.

Se fossem seguir esses ensinamentos, para fazer um anúncio de absorvente feminino todos os publicitários do mundo precisariam usar Sempre Livre.

A crítica do Augusto Nunes não é justa, mas para mim tem explicação. Apesar de toda a conversa sobre “imparcialidade”, jornalistas costumam assumir posturas ideológicas, tão mais firmes quanto mais firmes forem seus caracteres. Esqueça a teoria. Na prática, bons jornalistas acreditam ter uma missão, a de informar o público e, com sorte, balizar a pauta nacional. Se acostumam a ser agentes políticos, na acepção mais ampla. Por isso uma candidatura, vista da ótica deles, só pode ser defendida por quem acredite nos ideais do candidato. E parecem achar que publicidade e jornalismo são disciplinas irmãs. Não são. O jornalismo deve ser imparcial, a publicidade não. Se fosse para apenas relatar os fatos, não seriam necessários publicitários no mundo: bastaria abrir mais jornais.

Basicamente, marketing político é técnica, e técnica independe de opinião. Por outro lado, política é convencimento. Alguém precisa convencer o eleitor de que é o mais preparado para gerir o Estado ou o município, ou representá-lo no parlamento. Não cabe a um “marqueteiro” definir a política — e qualquer bom jornalista sabe bem que política é muito mais que isso. Não foi o Duda quem inventou o Pitta: foram as circunstâncias. Tudo o que o “marqueteiro” faz é traduzir o pensamento do candidato, dar uma forma atraente ao conteúdo já definido.

O curioso é que até a chegada dos publicitários, os jornalistas eram os principais responsáveis pelos programas políticos. Mas, como eu já disse, jornalismo e publicidade não são a mesma coisa. Para aproveitar tudo o que a TV tinha a oferecer, era preciso gente que conhecesse o meio; e para dar maior ressonância ao discurso do candidato, era preciso gente que soubesse fazer essa tradução. Parece que todo o engajamento de jornalistas comprometidos não era suficiente. Entraram os publicitários na história e, de repente, começaram a chover críticas sobre os tais “marqueteiros”.

Mas a cada dia me convenço mais de que a entrada de gente como Duda Mendonça e Nelson Biondi foi um dos maiores serviços já prestados à democracia.

O avanço técnico das campanhas, a melhoria do nível de qualidade deram uma contribuição imensa ao debate político. Chamou a atenção do povo. E como as pessoas passaram a assistir mais, passaram também a questionar o que viam. Se tornaram mais conscientes do seu papel, e a forma de se fazer política mudou bastante graças a esse espírito crítico, que aumentou porque os programas ficaram mais interessantes. Pelo menos no que diz respeito às candidaturas majoritárias, as pessoas votam cada vez melhor, sim.

E isso, que me desculpe o Augusto Nunes, é mérito dos “marqueteiros”. Talvez porque eles normalmente evitam compartilhar essa opinião elitista de que povo é burro. Povo, meu amigo, é quem sustenta você, seja você quem for. Ele não é burro. Como dizia David Ogilvy, “Não subestime o consumidor. Ele é a sua mulher”.

Quem acha que um mundo sem os tais “marqueteiros” seria melhor, lembre dos programas eleitorais do PSTU. É um programa sem nenhuma participação dos malditos “marqueteiros”, feito por gente que tem um compromisso ideológico muito grande com a candidatura. Vejam como foram bons, como foram longe, como convenceram mais e mais pessoas a votarem em suas propostas de não à Alca, não a isso e não àquilo. Como acrescentaram tópicos importantes ao debate político nacional. Nas próximas eleições votem neles, porque contra burguês, vote 16.

É por isso que cada dia mais vejo essas críticas dos jornalistas como um elogio, infelizmente exagerado. Eles parecem acreditar que o pessoal que faz marketing político é capaz de milagres, de ressuscitar Lázaros e curar leprosos. Não são. Mas eu é que não vou dizer isso a eles. Vou é tentar aumentar meu cachê na próxima campanha. Porque milagre custa mais caro, sabe como é.

***

Há um aspecto interessante em tudo isso. Olhando pesquisas qualitativas, salta aos olhos o fato de que são apenas as classes A e B que fazem referências aos “marqueteiros”. O tempo todo, na verdade; eles olham o programa não como se fosse do candidato, mas da equipe que o produz. Obviamente, se acham mais espertos por isso.

Feliz ou infelizmente, não são: a consciência de que os programas dos candidatos são feitos por “marqueteiros” raramente altera sua percepção do que foi dito. Podem até achar que sabem mais. Mas no fim das contas avaliam as coisas como o povão; o que influencia seu julgamento são outros aspectos, que não dizem respeito ao programa em si. E se engana quem acha que povo, as classes C e D, olha um programa eleitoral como idiotas. Ele costuma ter uma percepção acurada de suas necessidades e das propostas apresentadas, e muitas vezes surpreendem a nós, que julgamos saber quase tudo.

Nas próximas eleições, esqueça que existem “marqueteiros”. O programa não é deles, porque máquinas de escrever não escrevem livros. É do candidato. Faça como o povo, que sabe disso há muito mais tempo.

The Pelvis

Em primeiro lugar, Elvis Presley não inventou nada.

Digo isso porque há algum tempo todo mundo inventou de comemorar o 50 anos de That’s Alright, Mama, a primeira canção lançada por The Pelvis, como o marco de nascimento do rock and roll. A história está tornando o sujeito inventor do rock and roll. Como se não bastasse o título de rei. (Há duas décadas comemoraram os 30 anos do rock com Bill Haley e sua mistura de dixieland com country. Outro erro.)

Segundo a lenda o primeiro rock and roll foi Rocket 88, de Ike Turner — que entraria para a história principalmente pelos sopapos que dava em sua mulher, Tina. Quem batizou o ritmo foi um DJ e promotor de eventos chamado Alan Freed, que morreria nos anos 60 pobre de marré, depois de envolvido em um escândalo de jabá. E quem realmente influenciou musicalmente milhares de outros músicos mundo afora foram neguinhos como Chuck Berry e Little Richard, e até mesmo um caipira quatro-olhos chamado Buddy Holly (talvez o mais influente deles: foi a principal inspiração dos Beatles, que por sua vez…).

Esse crioulinhos foram os verdadeiros inventores do rock and roll. Mas cometiam o erro de serem pretinhos numa sociedade que até podia gostar de sua música, mas não estava disposta a transformá-los em ícones porque, afinal de contas, fica feio para a brancalhada sair adorando uns crioulinhos de segunda.

Elvis acabou com esse problema. O que ele fez não foi invenção: foi uma quase-reinvenção, uma mistura brilhante da música negra e da branca, que poderia ser chamada de diluição não fosse a carga sexual impressionante que dava à sua música. Ele era jovem, bonito, simpático; e deu ao rock and roll uma aceitação que aquele quase-travesti chamado Little Richard jamais conseguiria dar. Elvis podia requebrar daquele jeito no palco, podia insinuar que o rock and roll era a trilha de um ritual selvagem de acasalamento porque nao era mais um nigger.

Nada disso, claro, tira os méritos de Elvis. Ele é fundamental na história do rock, e ninguém pode negar isso. Só não foi o inventor do gênero. Não era aí que estava o seu talento. Elvis nunca compôs uma canção em sua vida (se Heartbreak Hotel e Love Me Tender têm sua assinatura é por outras razões): sua mágica estava em interpretar.

O mais engraçado é que a carreira do Elvis ícone do rock and roll durou pouco tempo, menos de 5 anos, até se alistar noexército para provar que era o all american boy. De volta aos Estados Unidos ele resolveu se concentrar no cinema, que ao lado do seu empresário, Tom Parker, achava ser mais seguro que esse negócio de música. Quando os ingleses invadiram os EUA cantando yeah, yeah, yeah e reclamando que não conseguiam satisfação, Elvis tinha se tornado anacrônico.

Durante a maior parte dos anos 60, Elvis caiu no ostracismo musical — no que foi compensado pelos muitos dólares que ganhava sendo o astro mais bem pago de Hollywood. Em um de seus filmes, Easy Come, Easy Go, ele mostraria quão distante estava da contracultura que, inadvertidamente, havia ajudado a criar. Debocha de alguns dos símbolos dessa geração que, àquela altura, ele não entendia. Àquela altura, Elvis já era um velho.

Mas foi também o maior caso de reinvenção da história do rock, e se superestimam seu papel na criação de uma música com muitos pais, costumam subestimar esse novo momento.

Em 1968, Elvis estrelou um especial da NBC que ficou conhecido como The Comeback Special. É considerado um dos grandes momentos de sua carreira. Só tem um problema: aquilo não foi uma volta. Era a estréia de um novo Elvis Presley. De roqueiro, ele tinha passado ao mais absoluto mainstream, mas um novo mainstream. E mais uma vez sua genialidade não estava em inventar nada, mas sim em reinventar. Percebeu que, ao contrário do que faziam os Paul Anka e os Ricky Nelson da vida, cooptados por um estilo que já era velho 10 anos antes, ele poderia fazer uma nova mistura, entre a música romântica e a tradição do rock and roll. Roqueiros tradicionalistas torcem o nariz para essa fase, influenciados pela sentença beatle de que Elvis morreu quando se alistou no exército, em 1959. É um erro. O Elvis que voltou ao mundo dos vivos em 1968 tinha força, também. Bastante. E mesmo nos poucos anos seguintes, se apresentando para velhotas gordas em Las Vegas saudosas de bons tempos que na realidade não tinham vivido, havia nele ainda alguma coisa daquele garoto que parecia ter um ataque epiléptico no palco.

Elvis foi tudo isso. Mas, pelo amor de Deus, não digam que foi o inventor do rock and roll.

Notícias estranhas em um blog esquisito (XXI)

Imagine-se, distinto passageiro, em um aeroporto australiano em tempos de Blair. De repente, algo numa caixa começa a fazer um zumbido estranho. Você se apavora e se vê como uma nova vítima dos Bin Laden; e as autoridades fecham o aeroporto durante uma hora.

No entanto, todo esse alvoroço é por nada, porque o que zumbe na tal caixa é só um vibrador.

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Parlamentares suecos estão pensando em criar uma lei que cria um “imposto masculino“. Para ser homem, agora, o pobre sueco vai ter que pagar imposto. A razão alegada é cobrir os gastos da saúde pública com a violência contra as mulheres.

Imagina-se que pobres, agora, não tenham outra alternativa que não se tornarem gays.

Ou, caso não seja o bastante, fazer uma operação de mudança de sexo. E pelo menos isso o Estado parece que paga.

Só não sei se ouviram as mulheres antes de propor essa lei. Porque dizem que o tal material anda em falta.

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A Itália sempre soube das coisas.

Um tribunal italiano declarou que fazer saliência em um banheiro público não constitui atentado ao pudor, desde que a porta esteja fechada (a decisão não desce a mais detalhes, mas recomenda-se que controle-se os gemidos. “Ui” pode. “AI MEU DEUS DO CÉU!!!”, não).

A sentença foi dada no caso de um casal suíço que, provavelmente empolgado o romantismo da cidadezinha de Como, resolveu partir para as vias de fato ali mesmo, no restaurante. Parece que o orégano é um afrodisíaco poderoso. O dono do restaurante pegou o casal no flagra e ficou horrorizado — provavelmente se lembrando da mamma de 125 quilos que tem em casa. Deu queixa, mas o tribunal decidiu que o amor está acima de todas as coisas.

Dizem que o George Michael vai se mudar para lá.

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Um sujeito da Malásia se casou semana passada.

Pela qüinquagésima-terceira vez.

Tem gente que não aprende nunca.

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Constantin Mocanu é um romeno de 67 anos. Mas idade não quer dizer sabedoria, como a notícia anterior já provou.

O velhinho tentava dormir e uma danada de uma galinha não parava de cacarejar. No meio da noite, vestindo apenas sua roupa de baixo, ele saiu, furioso, disposto a matar a penosa.

Mas confundiu o próprio pênis com o pescoço da galinha. Cortou o dito fora e, imediatamente, o cachorro veio e comeu. Provavelmente devia ser ser um cachorro saudoso dos tempos de Ceausescu, em que se amarrava cachorro com lingüiça.

Galinha, pinto… Tem alguma piada aí, mas eu não consegui fazer a conexão. Tudo bem. Deve ser porque a história me parece mal contada, e para mim o sujeito devia era estara fazendo saliência com a galinha e, em um ataque psicótico, cortou a coisa errada.

Quem vai saber que mistérios habitam as cabeças dos romenos?

Entregando os pontos

Nos útimos dias eu preferi ficar calado por algumas coisas feias que disseram de mim.

Quando, por exemplo, o Vítor, a Lulu, o Val e o Marcus me deram os parabéns pela vitória de Déda, eu fiquei calado por egoísmo e porque, como todo paraíba (N. do E.: paraíba é o sertanejo deslumbrado pelo Rio de Janeiro) eu peguei a mania de ser ixperto e reslvi pegar todo o crédito da campanha. Fiquei calado porque se fosse falar teria que dizer a verdade: que o mérito é da Eloísa, coordenadora-geral da campanha, do Paulinho Lobo, grande redator e grande músico (o sacana disse que eu toco um violão sofrível e canto abominavelmente. Algumas verdades não precisam ser ditas), do Tarciso, um dos melhores editores que já vi e agora também um dos melhores diretores; e principalmente do Cauê, diretor de criação e maestro da campanha.

Aliás, vamos admitir a verdade: o mérito, mesmo, é do Déda.

E o post que o Allan escreveu me deixou bobo. Mostrei imediatamente para a minha mãe, que agora gosta do Allan desde criancinha. Na verdade, minha mãe gosta de qualquer pessoa que ama a Bahia; o filho dela é só um detalhe.

E por tudo isso, já que resolvi quebrar o silêncio, só posso dizer uma coisa.

Obrigado.

Se não me falha a memória

Eu chegava ao cinema cedo, para a primeira sessão da tarde, e as luzes estavam acesas e as poltronas estavam vazias, e de trás da tela vinham arranjos instrumentais de clássicos do american standard, talvez, quem sabe, interpretados por Ray Conniff.

Eu sentava e pensava na vida, e mesmo não tendo muito em que pensar, me aplicava a esse exercício com a seriedade dos que decidem os rumos do mundo, mas ao mesmo tempo com a leveza dos que sabem que não precisam carregar o mundo nas costas.

Então a música parava, infelizmente no meio de Night and Day, felizmente no meio de Besame Mucho, e eu sabia que imediatamente as luzes se apagariam, e a voz, sempre a voz de Jorge Ramos apareceria em sua grandiosidade de Cinemascope.

Se não me falha a memória, primeiro vinham os cinejornais. Normalmente atrasados em muitos dias, às vezes semanas.

Que bonito era o Canal 100, com imagens grandiosas de jogadores dançando ao redor da bola em meio a um Maracanã mal iluminado, e a locução de Cid Moreira. De que importava que o jogo fosse antigo, que se soubesse de cor e salteado o resultado? O Canal 100, percebo agora, não era um cinejornal. Era uma declaração de amor do cinema ao espírito do Brasil, o casamento entre duas grandes artes.

Eu não sabia, mas aquele era o último suspiro de uma época que estava sendo enterrada pela televisão. Não haveria mais cinejornais. Eu estava assistindo aos últimos momentos de uma arte que nasceu e morreu no século em que nasci mas ao qual sobrevivi.

Depois vinha um curta-metragem. Se eu soubesse o que era a Embrafilme na época resmungaria contra a política cultural do governo, contra aquela tentativa de me infligir aquelas coisas, mas eu não sabia nem que existia governo, e só conseguia suspirar e esperar que o suplício acabasse logo, como um menino que termina o seu dever de casa enquanto ouve os amigos chamando por ele. Mas mesmo odiando-os a todos, não me saem da lembrança um pequeno documentário sobre o São Cristóvão Futebol Clube, campeão carioca de 1926; um curta meio surrealista que depois seria inspiração para um comercial de tintas (fundo branco infinito, e o artista enlouquecido joga as tintas desvairadamente cenário afora); e o melhor de todos eles, aquele em que a divina, divina Denise Dumont, sonho inalcançável de infância, pega um ônibus lotado e se abaixa para a delícia dos passageiros e dos espectadores, e aquela visão calipígia fazia valer todo o dinheiro economizado durante a semana.

Era antes do DiVX, antes do DVD, antes mesmo do video-cassete, e os cinemas costumavam exibir reprises de grandes sucessos; se passei batido por “… E o Vento Levou” assisti a dois, três desenhos da Disney, e vi o trailer de Help! dos Beatles, sem saber o que era help e sem saber quem eram os Beatles.

Então vinha, finalmente, o certificado de censura atestando que aquele filme tinha sido liberado para maiores de 14 anos —  e eu tão feliz por ter apenas 11 e ter conseguido entrar no cinema. Os certificados eram parecidos com os da TV, e para mim faziam parte da programação normal. Não evocavam a ditadura, não me faziam pensar em liberdade de expressão; eram apenas um aviso de que o filme ia começar, de que a espera havia terminado. Um aviso, só isso, como o leão da Metro, os holofotes da Fox ou o cume nevado da Paramount.

Era uma época em que o cinema impunha menos regras, porque se podia fumar, comer, beber, namorar nas poltronas do fundo. Mas eu era criança para namorar, e desde aquela época gostava de ir ao cinema sozinho, e ainda que tivesse namorada não iria ousar as ousadias que se ousam no cinema, e minha mão não desceria dos seus ombros, cautelosa, hesitante, esperando a reação ou o suspiro dela, ela que nem seios teria.

E bolinar a namorada durante um filme dos Trapalhões é simplesmente errado.

E então, quando os créditos finais terminassem de subir a tela, com as luzes já acesas, e se fosse bom o filme, eu esperaria uma nova sessão, sem que nenhum lanterninha falsamente gentil e eficiente viesse me convidar a sair.

Se não me falha a memória, essas lembranças vão completar um quarto de século.

Anotações sobre uma campanha que passou

Há vários tipos de campanha eleitoral. A maioria dos candidatos, claro, acredita que tem chances de vencer. Há também aqueles que entram no jogo por outros motivos: se projetar politicamente para o futuro, se credenciar para vender seu apoio em um eventual segundo turno, ou servir de suporte para uma candidatura maior. Nunca participei de nenhuma dessas e não imagino como seja, mas não deve ser o pior trabalho do mundo, se se descontar o que imagino ser a péssima auto-estima de quem se vê fazendo esse papel de coadjuvante.

Mas há um tipo especial: aquele que se sabe derrotado mas, ao mesmo tempo, se leva a sério.

Este ano houve duas candidaturas “sérias” à prefeitura de Aracaju. A de Marcelo Déda, candidato à reeleição, e a de Susana Azevedo, deputada estadual que contou com o apoio velado do governador João Alves. Dois outros candidatos se lançaram, também: Jorge Alberto, do PMDB, e Adelmo Macedo, do PAN. (Houve também o PSTU, mas desses eu não falo porque eu me respeito e, como meu sonho é ser burguês, eu não voto no 16. Além disso eles têm um desprezo proletário pelo bom e velho marketing político que me incomoda, porque a possibilidade de tirarem meu pão não é das mais agradáveis.)

Não vou entrar no mérito político de cada uma, porque isso, sinceramente, não me interessa. O que me interessa é outra coisa: é a forma como as campanhas se desenrolaram.

Em primeiro lugar, ninguém esperava ganhar essa eleição de Déda. O que estava em jogo aqui era outra coisa, era forçar um segundo turno para que ele não saísse fortalecido em demasia para uma eventual disputa pelo governo estadual em 2006. Ou, pelo menos, esperar que ele ganhasse com menos votos do que em 2000.

Susana começou a campanha dela de maneira errada. Começou batendo, e batendo pesado. Por si só isso já é um erro grave. Se alguém define que sua estratégia será desferir golpes abaixo da linha da cintura, recomenda-se que se mostre, antes, uma boa pessoa para o eleitor. Suas críticas serão mais bem vistas. Susana, no entanto, dispensou essa pequena formalidade e entrou de sola.

Além disso, há um limite em uma campanha de “baixaria”. É o limite da realidade. Se eu passar um progama inteiro dizendo que o sistema municipal de saúde é uma droga, enquanto a população olha em volta e vê o SAMU, um serviço de atendimento de urgência que se tornou modelo para o país, ela vai concluir que eu sou um mentiroso, e nem mesmo as críticas verdadeiras — e ela fez algumas — que eu faça serão aceitas.

Finalmente, na hora de fazer propostas, ela errou no formato. Soltava em cada programa uma enxurrada que diziam pouco ou nada para o povo. Perdia na comparação — uma coisa é dizer que vai fazer, outra é mostrar o que foi feito — e na forma escolhida, porque mostrávamos tudo com mais consistência.

Esses foram alguns os erros da campanha de Susana. Houve mais, mas isso importa pouco: acertou em seus últimos programas, mas àquela altura era muito difícil reverter um quadro que estava quase definido desde o início.

Em poucas semanas ficou claro que eles estavam sem saber o que fazer. Era óbvio que mudavam os eixos do programa de acordo com o resultado das qualitativas que recebiam no dia seguinte. Durante alguns programas iam e vinham da baixaria a programas mais propositivos; mudaram detalhes de jingle, tiraram apresentadores, reforçaram a presença da candidata a vice. O problema é que tentavam uma abordagem e as qualis davam a vitória a Déda; então mudavam tudo e as qualis continuavam dando a vitória a Déda. E então mudavam de novo. Chegaram a um ponto de desorientação tão grande que eu cheguei a discutir com o Cauê o que estava acontecendo: ele achava que no final das contas eles não estavam realizando qualitativas, enquanto eu achava que eles estavam tão zonzos que estavam lendo essas qualis de modo errado. Claro que Cauê, que sempre sabe das coisas, tinha razão. Ninguém com acesso a pesquisas faria aquilo.

Por exemplo, aquele post dizendo que “A vida é bela” foi uma comemoração pessoal. Nós tínhamos feito um programa que julgamos ruim, com falhas em sua estruturação e com vários problemas durante a produção. Na hora que o programa eleitoral acabou começaram as auto-críticas. E no dia seguinte, quando chegou a quali, vimos que demos um banho na concorrência. Por isso a vida é bela, e por isso os risos à toa.

Eu já participei de campanhas em crise. Não é o melhor ambiente do mundo. Nessas horas, há sempre dois grupos que disputam a primazia da definição estratégica da campanha. O pau come, e come feio. Enquanto isso, a equipe de criação fica perdida, porque nessas horas o comando fica mais frágil, mais volátil. A pressão é enorme, e o resultado é normalmente a paralisação. É por isso que no início de setembro eu já estava com pena do pessoal que fazia a campanha de Susana. Porque certamente dormiam pior que a gente, do lado de cá. Sorriam menos. Cometeram algumas falhas do ponto de vista criativo, claro, mas o verdadeiro erro estava na estratégia política adotada, e disso eles não tinham culpa.

O resultado virou notícia nacional.

Houve um caso pior que o de Susana, no entanto. O candidato do PMDB, Jorge Alberto, era um deputado federal que resolveu projetar seu nome na capital. Deveria ter feito uma campanha limpa, apresentando propostas, dando o seu recado. No entanto, resolveu fazer o jogo do governador e passou a bater em Déda. Virou mero suporte da candidatura de Susana, muitas vezes caindo no francamente ridículo, cometendo erros primários — como por exemplo gastando minutos preciosos reclamando que Déda não reconhecia mais seu esforço em liberar verbas para determinadas obras; só ele não percebeu que estava fazendo propaganda dessas obras e dizendo, implicitamente, que Déda realmente tinha trabalhado. Definiu um slogan (“Vote em quem vai ser prefeito”, ao que o povão respondia “Déda”), e depois mudou para “Agora é 15”, copiando o slogan de Lula em 2002 sem atentar para o fato de que aquele slogan tinha uma razão de ser, e ele não tinha nenhuma. Terminou em quarto lugar, com menos de 4%. E o resultado, se é que posso fazer previsões, foi pior do que se ele tivesse ficado em casa. Porque um quarto lugar numa eleição majoritária é desmoralização. Se ele queria entrar em Aracaju, entrou com o pé esquerdo. E ainda levou uma rasteira.

Mas o mais importante, mesmo, é que este foi um momento importante na história política de Sergipe.

Há 10 anos, participei da campanha de um fenômeno político chamado Jackson Barreto. Era uma campanha sem pesquisas, baseada apenas no feeling. Num dos maiores erros de sua história, o Ibope deu a vitória do outro candidato, da situação, no primeiro turno, com 70% dos votos. Todos nós nos despedimos achando que tínhamos perdido. E no entanto Jackson ganhou aquele primeiro turno (teria a eleição roubada no segundo, mas isso é outra história). Aquele foi o ápice da carreira de Jackson, e provavelmente a minha escola em termos de marketing político.

Se a minha leitura de qualitativas estiver correta, se consigo enxergar o que se passa nas ruas, e se os resultados das eleições no interior indicarem alguma coisa, Sergipe está presenciando o nascimento de um novo fenômeno chamado Marcelo Déda.

Numa segunda-feira qualquer

No ponto de ônibus.

Uma mulher se aproxima de mim e diz que aquela senhora no banco está me chamando.

Ela tem seus cinqüenta anos, muito gorda, esparramada na cadeira parece um sapo.

Vou até lá. Ela me pergunta se tenho um trocado. Digo que não.

Até para pedir ela tem preguiça.

***

Numa daquelas casas em frente ao ponto do ônibus funcionava um boteco, desses que varam a madrugada. Antigamente era freqüentado por putas, mendigos e marginais. Íamos lá há uns 15 anos, em fim de noite, e em troca de uma coca-cola, ou nem isso, as putas contavam suas histórias de vida, sempre únicas e sempre iguais.

Mas as putas abandonaram o centro da cidade e foram para a orla, em busca de turistas solitários. A Rua da Frente foi tomada por travestis. E o bar fechou.

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A moça passa correndo para pegar ônibus. Os peitos grandes e mal contidos pelo sutiã balouçam ritmicamente, e contrastam com seu rosto de susto arquejante. Se sua pressa fosse maior e a expressão fosse de agonia, e não de susto, pegar ônibus seria um orgasmo para ela.

***

Os ônibus passam, um depois do outro, e as pessoas sentadas ou agarradas às barras no teto olham para fora com o olhar triste e ausente de macacos enjaulados e sozinhos. Mas macacos em jaulas coletivas não têm esse olhar. Porque não estão sozinhos, e sabem disso. Os passageiros estão.

***

“Sobrados e Mocambos” custa quase 100 reais. Vou ter que arranjar alguém para me dar de presente. Não é pelo preço. É pelo desaforo de um livro custar quase 100 reais.

***

Antes do filme começar, os trailers.

Primeiro Constantine. Todos os meus medos foram concretizados. Keanu Reeves destruiu John Constantine. E o filme parece uma mistura de “O Exorcista” com End of Days.

Depois, Alexander. Montado desavergonhadamente nas costas de “Tróia”, pelo visto. Colin Farrell não tem cara de Alexandre. O trailer diz que a maior lenda de todas foi guerreiro, foi isso, foi aquilo e foi amante. A locução em off esbarra em imagens de Alexandre fazendo saliência com uma loura. Mas Alexandre não gostava de louras, aliás difíceis de encontrar na Ásia Menor. Alexandre gostava de moreninhos.

The Mandchurian Candidate pelo visto tenta atualizar a guerra fria para a guerra corporativa. Diminui a importância do filme. Melhor catar “Sob o Domínio do Mal” em algum lugar.

E “Paixão à Flor da Pele” (Wicker Park) é um excelente filme. Muito, muito bom. Uma grande surpresa.