De madrugada, vindo do bar do Pinto com os bolsos vazios como de costume, Carlos Alberto senta à máquina e declara ao resto da redação:
— Tem um concurso de poesia vindo aí. Tô precisando de dinheiro. Vou fazer um poema pra ganhar o primeiro prêmio.
Faz.
— Agora vou fazer um pra ganhar o segundo prêmio.
Faz.
— Agora, o terceiro.
Faz.
Vence o primeiro e o terceiro lugares. Mas as Parcas insistem em cortar o fio da sua empáfia, como farão repetidas vezes com seus descendentes, e o segundo prêmio vai para outra pessoa.
***
Nega Lia vive sendo presa. E um dia Carlos Alberto lhe dá algumas dicas sobre o que fazer quando lhe prenderem.
Em sua próxima prisão, Nega Lia segue à risca o conselho.
Lambuza o corpo inteiro de merda e sai andando, tranqüila, em direção à porta. Conforme a previsão, ninguém tem coragem de pará-la. E então ela avisa que vai cumprir a última parte do roteiro que lhe foi dado:
— Agora vou dar um abraço no secretário de Segurança.
Os policiais entendem que isso é demais. E avisam que ela pode ir ambora, mas se subir à sala do secretário eles atiram.
Com um mínimo de sensatez, ela sai da Secretaria de Segurança. Na porta se vira e começa a fazer escândalo.
— Vocês são um bando de merdas. É tudo burro. Foi Chatô quem me disse o que fazer. Chatô é mais inteligente que vocês todos.
E nos próximos dias Carlos Alberto tem que ouvir as reclamações do pessoal, que acha que alguns conselhos não devem ser dados.
***
Noite de sexta-feira, Carlos Alberto e Marcelo sobem a ladeira da Barra chutando lata, reclamando dos bolsos vazios.
De repente uma vernissage, e Carlos Alberto descobre onde beber.
Entra, se aproxima de um quadro e começa a fazer comentários elogiosos e aparentemente eruditos sobre a peça. O marchand se aproxima, deliciado. Agora o uísque e os canapés chegam a eles com fartura e pontualidade.
— Passe na agência segunda à tarde, para entregar o quadro e pegar o cheque.
E então a noite está liberada, e mais uísques e mais canapés.
Segunda-feira e o marchand bate na agência, trazendo o quadro embrulhado para presente numa Kombi.
— Carlos Alberto, tem um sujeito aí fora dizendo que veio entregar um quadro que você comprou.
Ele sai e vê o sujeito.
— Pois não, meu amigo?
— O quadro que o senhor comprou…
— Eu não comprei quadro nenhum. Eu nem conheço o senhor.
— Como não? O senhor foi à vernissage na sexta, comprou o quadro, bebeu uísque…
— O senhor me deu uísque? Então tá explicado. Mas vai, mostra aí o quadro.
O sujeito desembrulha seu pacote.
— Esse quadro é uma merda. Eu nunca compraria uma coisa ruim dessas.
E volta a entrar na agência.
***
O prazo para apresentação do anúncio está chegando ao fim, mas Duda olha em volta e não tem anúncio e não tem Carlos Alberto.
A agência, a esta hora, está desesperada. As secretárias choram.
Carlos Alberto chega na agência e Duda lhe dá um esporro:
— Porra, Jesus, cadê o anúncio?
— Duda, eu deixei na sua mesa ontem.
E começa a procurar. Duda corre, chama as secretárias, colocam a sala de pernas para o ar.
A essa altura Carlos Alberto já saiu. Vai para sua sala, senta à máquina, escreve o anúncio e volta para a sala de Duda. Disfarçadamente coloca os papéis no meio da bagunça e espera acharem.
Quando acham — e aquela é uma bela peça — é a vez de Carlos Alberto comentar:
— Sabe qual é o problema, Duda? É essa bagunça em que a sua sala vive. Você devia ser mais organizado.
***
Antigamente era muito pior, mas ainda hoje, de vez em quando, me apresentam a gente da velha guarda:
— Esse daqui é o filho de Carlos Alberto.
Há muito me acostumei a fazer uma pequena correção.
— Não é bem assim. Carlos Alberto é o pai de Rafael Galvão.
A ordem dos fatores altera o produto.