Leio livros policiais desde a infância. Era uma das paixões de meu pai, e por isso lá em casa havia uma imensidão de livros da “Colecção Vampiro”, que ele garimpava nos sebos embaixo do Viaduto da Sé. Aos 10 anos, eu já estava viciado neles.
(Na Livraria Cultura da Av. Paulista pode-se encontrar ainda alguns livros da Colecção Vampiro.)
Lembrei do assunto porque li um post do Polzonoff sobre Rex Stout.
É do Rex Stout um dos livros policiais que li há mais tempo, no começo da adolescência: uma edição portuguesa de bolso de “Excesso de Clientes”, depois lançado aqui como “Clientes Demais”. Lembro de gostar muito do livro, mas na época eu também gostava muito de Mickey Spillane, Frank Gruber e Ellery Queen. Gostava até da velha dama indigna, a impostora Agatha Christie. Demoraria bastante tempo até eu tomar contato com o melhor do gênero.
Hoje Nero Wolfe me interessa pouco. Não que seus livros sejam ruins; pelo contrário, são agradáveis, interessantes. Mas se é verdade que literatura noir não é literatura, Wolfe é ainda menos. Ele dilui ainda mais os clichês do gênero, embora há muito tempo eu tenha concluído que os clichês são condição fundamental para que se goste de romances noir.
Basicamente, defino Nero Wolfe como um cruzamento meio bastardo da tradição inglesa com a literatura noir americana. Mesmo cobrando — e caro — pelos seus serviços, Wolfe não deixa de ser o típico detetive diletante inglês, com a genialidade absurda de Hercule Poirot. Enquanto isso, para contrabalançar, Stout nos dá Archie Goodwin, assistente de Wolfe, mais próximo da tradição noir — o detetive que vai à rua, que é cínico e insolente, que leva porrada.
É claro que essa é, acima de tudo, uma questão muito pessoal. O gênero eminentemente cerebral me atrai pouco, porque pelo menos para mim se assemelha mais ao xadrez que à literatura.
Eu gosto mesmo de três escritores policiais: Dashiell Hammett, Raymond Chandler e Ross MacDonald. São o triunvirato do romance policial, os sujeitos que praticamente criaram o gênero.
Com exceção de MacDonald, todos eles escreveram poucos livros, e por isso evitaram que seus personagens caíssem na repetição que fatalmente acomete as tramas e os personagens de Stout (e do Lew Archer de MacDonald, também). Hammett definiu a estrutura e a linguagem do romance policial que depois os franceses chamariam de noir, com os elementos básicos como os diálogos secos, a narrativa enxuta, a mulher fatal e o detetive cínico; Chandler deu alguma dignidade literária a ele, criando o maior de todos os detetives, Phillip Marlowe. E MacDonald atualizou o gênero, aprofundando os aspectos psicológicos do crime e adaptando-o com sucesso aos anos 60.
Logo abaixo vêm alguns extremamente bons, entre eles Chester Himes, David Goodis e o único autor contemporâneo que respeito, Walter Mosley — que embora descendente direto de Himes é um dos poucos a dar uma dimensão digna ao romance policial nos dias de hoje.
Não interessa que seja literatura de segunda. Não importa que, necessariamente, seja um gênero esquemático. A verdade é que troco qualquer Proust por um bom policial. Não gosto tanto assim de madeleines.