Abrindo o bico

É mais forte que eu. Depois de resistir por semanas, acabei entrando num dos memes mais idiotas que eu já vi.

1. Pegue o livro mais próximo.
2. Abra na página 23.
3. Procure a quinta frase.
4. Publique o texto no seu blog, junto com estas instruções.

Lá vai.

Retomando conforme esta óptica o grande trio mencionado, eu diria que Casa-grande e Senzala representa uma etapa avançada do liberalismo de nossas classes dominantes, com o seu movimento contraditório entre posições conservadoras e certos ímpetos avançados.

É um trecho de “Raízes do Brasil”, que está na minha mesa para uma releitura que nunca começa.

Aquele desgraçado do Balzac

Conversando com duas amigas, ambas na minha faixa de idade, e ouvindo suas reclamações a respeito dos homens.

Segundo elas os homens se dividem entre os que não querem nenhum tipo de compromisso e os neuróticos.

Enquanto isso outra amiga, também trintona, não tem problemas desse tipo. Vai levando a vida e escolhendo (nem sempre sabiamente, é preciso dizer) o que ela lhe apresenta. Suas preocupações na verdade são outras.

A diferença entre elas, percebo agora, é simples. A que não tem problemas não faz a mínima questão de casar. Pelo visto é esse o problema: essa necessidade, presente em tantas mulheres, de um “relacionamento” a longuíssimo prazo.

Como as coisas estão difíceis, essa eterna luta das balzaquianas força algumas delas a procurar nichos específicos. Homens divorciados com filhos, por exemplo.

Uma das duas amigas que estão em pé de guerra com o mundo masculino me explica que pais divorciados são atraentes porque a) indicam que são capazes de entrar em relacionamentos estáveis; e b) são mais maduros emocionalmente.

Acho que essa tese é uma grande bobagem; para mim, esses elementos a) são incapazes de continuar casados, b) são imaturos e preferem ser solteiros, ou c) têm sérios traumas de guerra. Conselho: prefiram os viúvos, esses agüentaram até o fim. Verifiquem, no entanto, se a falecida não morreu em um acidente mal explicado. Por garantia.

Mas fiquei pensando nisso. Somos atraentes, hein? Isso me dá idéias.

Como eu não sou idiota de botar minha filha numa roubada dessas, vou fazer como Hugh Grant em About a Boy e inventar um filho. Melhor, vou alugar um menino. Tem que ser bonito para indicar minhas qualidades de reprodutor; vou ver se minha irmã me empresta meu sobrinho, é mais barato. Aí faço passeios pelos shoppings, por teatros infantis e, se no Rio, pelo Baixo Bebê. Depois invento que meu amado filho não foi com a cara dela.

Do jeito que as coisas vão, isso bem que pode dar certo.

Os fatos da vida

Eu já tinha cansado de publicar listinhas de searchphrases que trazem pessoas a este blog.

(A propósito, as frases que mais trouxeram gente até aqui em abril foram “Rafael Galvão”, “A Normalista”, “Astronomia para amadores”, “Cabo Anselmo”, “Pílula do dia seguinte” e “Desmatamento Caatinga”. Nem parece o velho blog, aonde só iam os pervertidos de praxe.)

Mas essa é curiosa demais para que eu possa resistir — e eu não sou bom em resistir a tentações:

fotos ensinando como se masturbar

Há algo errado nesse mundo moderno. Antigamente as pessoas buscavam informações apenas antes de iniciar suas vidas sexuais acompanhadas. As mulheres mais sensatas se dirigiam a um ginecologista. Homens, numa variação da atitude que mais tarde os fará se perderem constantemente por considerarem indigno pedir informações a um transeunte, perguntavam aos mais velhos, que davam um conselho simples: “vá lá, coma a vagabunda e não me desaponte, que a família tem um nome a zelar”.

Este mundo está muito mudado.

Pornografia

No Culture Kitchen Liza Sabater define por que não gosta de pornografia: ela acha, além de feio de se assistir, falso.

É a definição perfeita. Tudo aquilo parece falso. Eu, pessoalmente, não consigo assistir a um filme sem imaginar o diretor fazendo seus comentários: “Levanta essa porra!”, “Abre as pernas, caralho!”, “Você não sabe gemer não, é?”, “A luz tá errada, cacete!”, “Bota a câmera lááááá…”.

Mas acho que isso é apenas desculpa. Vai ver eu não gosto porque é sempre uma humilhação e um golpe na auto-estima ver John Holmes em serviço.

(O post da Sabater tem alguns links para sites interessantes que falam não sobre pornografia, mas sobre o métier. São uma delícia.)

Norman Rockwell

Um dos maiores escritores americanos que conheço chamava-se Norman Rockwell e escrevia contos inteiros na capa de revistas como a Saturday Evening Post, fundada por Benjamin Franklin e que hoje é basicamente veículo para anúncios de remédios.

Alguns puristas acham que Rockwell não era uma artista de verdade por ser um ilustrador comercial. Uns modernistas acham que seu estilo não tinha nada de artístico. Alguns iconoclastas acham que ele era, sim, um grande pintor, com personalidade própria e estilo definido.

Eu acho a discussão boba, porque para mim a verdadeira arte de Rockwell era contar histórias.

The Problem We All Live WithO principal papel de Rockwell foi o de inventor, ou pelo menos cristalizador, de uma América perdida e onírica, a memória ideal para um país que se tornava cada vez mais urbano e individualista. Suas imagens se tornaram um pedaço dos Estados Unidos — aquele pedaço que se diz chamar América e que representa o ideal de liberdade americano. Nesse papel Rockwell foi insuperável. Em sua maturidade, entre os anos 1940 e 1960, cada quadro seu é uma imagem definitiva dessa América idealizada, longe dos grandes centros e nitidamente conservadora. E mesmo quando abordava temas socialmente difíceis, como o movimento pelo fim da segregação racial, ele dava um toque lírico — talvez piegas –, como se pode ver em The Problem We All Live With. E mesmo assim é um retrato definitivo, que consegue fixar de forma extremamente simples a dimensão do problema. Artista ou não, Rockwell era um mestre.

Mas a verdadeira arte de Rockwell, o que o diferenciava de outros ilustradores e mesmo pintores com P maiúsculo, era o fato de cada quadro seu contar uma história. Às vezes ingênua, mas sempre uma história.

Breaking Home TiesEm Breaking Home Ties, por exemplo, há tantas coisas para se ver. É praticamente um instantâneo de um rapaz saindo de casa e indo para a faculdade. Ele está sentado, esperando o ônibus que vai levá-lo para sua primeira viagem. Ele olha para a frente com esperança, ansiedade e alguma ingenuidade. Tudo nele é novo, fresco: seus sapatos, sua roupa, seu sorriso e seu olhar.

O contraste está em seu pai: um homem mais experiente, cansado, provavelmente acostumado a sua vidinha rural de muito trabalho e poucas perspectivas. Ao mesmo tempo é um homem realizado dentro daquela noção calvinista de realização, porque naquele momento tem certeza de que cumpriu o seu dever de pai de família. A diferença entre os dois pode ser vista em suas roupas. O sapato do rapaz está brilhando; o do pai carrega da poeira da vida. E você pode imaginar a longa caminhada que os levou até ali. Os dois, com suas histórias de vida diferentes,olham em direções divergentes.

The ConaisseurOs impressionistas, a fotografia e os abstratos destruíram esse tipo de arte hiper-realista. Não é nada que se lamente. Mas Norman Rockwell mostra que ela continua tendo o seu valor, quando bem aplicada. A fotografia acabou com a pintura como representação fiel da realidade. Mas Rockwell deu um passo além, e mostrou que a pintura ainda é o meio ideal para a representação fiel de uma realidade que não existe.

E, em The Connaisseur, ele finalmente redige o seu manifesto artístico. Mostra um sujeito apreciando uma tela que poderia ter sido pintada por Jackson Pollock. Não tenho certeza do tom da obra; mas às vezes julgo ver ali uma certa ironia, alguém dizendo que “isso eu posso fazer; eles podem fazer o que eu faço?”.

Um bom apanhado das telas — ou capas de revista, tanto faz — pode ser encontrado aqui.

Paul is dead, man, miss him, miss him

Qualquer fé que eu tenha no gênero humano se vê abalada quando vejo a repercussão que alucinados como o José Vicente Dias conseguem na mídia que dizem combater.

Dias é presidente da ONG “Mensagem Subliminar”, e parece dedicar seus dias a descobrir mensagens ocultas na mídia.

Mensagem subliminar apontada por Dias: “A boneca Barbie, por exemplo, não diz ‘não coma’, mas passa uma mensagem subliminar de que ‘ser magra é ser bela'”. Não vejo o que há de subliminar nisso, mas o Dias parece acreditar que está descobrindo, ao mesmo tempo, o fogo, a roda e a pólvora. E dá uma importância conspiracionista a algo que é escancarado.

As acusações de Dias vão do óbvio reduntante ao francamente fantasioso. Por exemplo, está alardeando que Gilberto Gil faz apologia da maconha no clipe de Three Little Birds, em que Bob Marley solta longas baforadas de fumaça. Seriam uma mensagem escondida de que aquilo é maconha.

Se ele não me contasse eu jamais acreditaria. E o que é mesmo aquela planta na capa de Kaya, disco de Bob Marley? Embora seja pouco óbvio, desconfio que seja maconha. Mas ninguém ia acreditar se eu dissesse. Bob Marley, afinal, era conhecido pela ojeriza à cannabis.

No campo do fantasioso há a teoria novíssima de que Paul McCartney morreu.

Notícia velha de 69, essa. Nasceu em uma rádio universitária do Texas. Disseram que McCartney tinha morrido num acidente de carro, e como os Beatles não podiam parar arranjaram um sósia, Wlliam Campbell (ou Shears, dependendo da versão que você ouça). Para evitar que a fraude fosse descoberta, pararam de fazer shows ao vivo.

Mas os Beatles, por alguma razão que só a maconha na cabeça dos estudantes pode explicar, passaram a incluir pistas do ocorrido em suas músicas e nas capas dos seus discos, culminando quando, na capa do Abbey Road, representam um enterro (Lennon o padre, Ringo o papa-defunto, George o coveiro e Paul seria o morto porque em alguma cultura desconhecida os mortos são enterrados descalços) e colocam um fusca cuja placa é 28 IF — ou seja, Paul teria 28 anos se estivesse vivo. São muitas teorias — e quiser, você pode inventar a sua. Se não quer perder tempo, aqui há uma boa lista das pistas.

A única coisa verdadeira em tudo isso é que McCartney realmente sofreu um acidente em 1966. Não de carro, mas de moped, uma espécie de motoneta. Perdeu um dente e ganhou uma cicatriz na boca, que o fez deixar crescer o bigode e que pode ser vista na foto que acompanha o Álbum Branco.

Por idiota que sempre tenha sido, essa teoria podia ser compreendida nos anos 60, quando a bruma de LSD, maconha e rebelião social em que se vivia dava aos Beatles uma importância que eles nunca tiveram. Mas insistir nessa bobagem 35 anos depois é deboche, só pode ser deboche.

O livro do Zé Dias está pronto e espera apenas uma editora. Que, se aparecer, vai destruir para sempre a minha fé na inteligência editorial deste país.

(A propósito, os Beatles evoluíram estupidamente em 1966, depois de uma fase de transição em 1965. Se McCartney realmente morreu, a música saiu ganhando. William Campbell, ou Shears, é muito, muito melhor que McCartney.)

(Também a propósito, eu tenho uma teoria que vai chocar o mundo: Lennon está morto. E Harrison também.)

E la nave va

Tem um filme velhinho com Clark Gable e Doris Day (não parece um casal improvável? A impressão que se tem é que Gable simplesmente devoraria Doris) em que ele é o editor de um jornal e ela a professora de jornalismo e filha de uma lenda que recebeu um Pulitzer, mesmo editando um jornalzinho de cidade do interior. O nome do filme é Teacher’s Pet.

No filme, depois de muitos contratempos, Gable passa uma noite analisando os textos do pai de Doris. E percebe que, embora ele tenha merecido o Pulitzer que ganhou, a maioria de seus textos é de uma chatice provinciana indesculpável.

De vez em quando fico pensando se a vida de todo mundo não é assim: um mar de pequenos nadas com eventuais ilhas de brilhantismo aqui e acolá.

A ascensão da arrogância americana: 1945 – 2004

Há algum tempo vi um filme obscuro no Futura. Tão obscuro que não sei absolutamente nada sobre ele, só que era um daqueles filmes colorizados por computador que fizeram a revolta de Woody Allen — e de todo mundo que tem algum senso estético — nos anos 80.

O filme era sobre aviadores americanos e ingleses durante a guerra no Pacífico. Serviu para lembrar que, embora a II Guerra hoje seja lembrada basicamente como uma guerra contra o nazismo, na época não era exatamente assim nos Estados Unidos. Para eles, era principalmente uma guerra contra os japoneses: não foram os alemães que atacaram Pearl Harbor. É bem provável que a guerra na Europa tenha adquirido essa prevalência ao longo dos anos por três razões principais: a semelhança cultural, a hediondez da Solução Final e o fato de que para países imperialistas como os Estados Unidos é mais fácil justificar a guerra contra a loucura alemã do que contra o imperialismo japonês, tão semelhante ao seu próprio.

O que me impressionou no filme foi o nível de racismo que o filme demonstrava. Os termos com que se referiam aos japoneses eram tudo, menos respeitosos. Eram adjetivos rancorosos que os filmes da época nunca usavam para se referir aos alemães ou aos italianos. Havia ali, claramente, um conflito de culturas, mas também havia o desprezo dos americanos por uma raça que, pelo menos naquele momento, julgavam inferior.

Mesmo assim, e Hiroshima e Nagasaki à parte, não há indícios de que a ocupação americana do Japão tenha sido excessivamente desrespeitosa. Mizuko Ito, irmã de Joi Ito, tem um post em que fala do primeiro encontro de sua família com os americanos; episódio que, se por um lado expõe o desconhecimento típico do ocupador a respeito da cultura onde é forçado a se inserir, também mostra que havia um nível mínimo de deferência.

Corta para a ocupação americana no Iraque e a tortura de prisioneiros iraquianos em Abu Ghraib.

A pergunta é: o que aconteceu nesses 60 anos? Difícil encontrar uma resposta, mas há algumas pistas. Nesse meio tempo, os Estados Unidos se tornaram a única superpotência mundial. Sua arrogância, provavelmente, acompanhou essa ascensão.

Cena nordestina

Publicado num jornalzinho qualquer de Aracaju:

Numa birosca às margens da BR-101, em Sergipe, um prefeito, acompanhado de seus seguranças, e o ex-presidente de uma Câmara de Vereadores tomavam alguns copos de caldo de cana enquanto conversavam. E então eles se desentenderam.

Com os ânimos exaltados, os cinco puxaram imediatamente revólveres e escopetas.

A tia do vereador, uma velhinha que também tomava o seu caldo de cana, teve um início de ataque cardíaco ao ver aquele arsenal exposto e pronto para ser usado. Foi imediatamente levada ao hospital.

No carro do prefeito.

Melhor retrato da psique do cabra macho nordestino ainda está por ser feito.