Conheci Neópolis no ano passado. Rápido, coisa de uma hora, mais ou menos.
A cidade fica na margem sergipana do São Francisco. Viveu dias mais prósperos no início do século XX; hoje é só uma cidade que se arrasta no tempo à beira do rio. Do outro lado, em Alagoas, fica Penedo, também decadente — mas decai de tempos ainda mais opulentos, e portanto é maior e abriga mais vestígios de sua riqueza passada.
Dos tempos de riqueza de Neópolis restam apenas uma fábrica de juta em ruínas e casas antigas que contam a lenda de uma longa história. No bar em que parei para tomar um refrigerante a estrutura da construção denuncia um edifício do século XIX, no máximo: as grandes e sólidas vigas no teto, as muitas portas que se abrem de par em par. O número de portas mostram que o bar já foi uma casa comercial de prestígio, provavelmente um armazém, um entreposto comercial. Mas agora, para seus moradores, ela é apenas uma casa, o lugar onde moram e trabalham, e auxiliados pelo tempo vão imprimindo marcas que tornam cada vez mais difícil distinguir sua idade. As casas aos poucos se tornam eternas.
Acostumado à desconfiança carioca, tentei pagar o refrigerante antes mesmo que a mulher que veio de dentro da casa com vagareza o pegasse no freezer. Mas o seu código de ética comercial é outro, e ela só espera receber o dinheiro depois que o serviço que me prestou se houver consumado. É assim que as coisas são, e as pessoas não costumam lhe dar motivos para ela veja alguma necessidade de mudança.
Havia chovido, aquela chuva de verão, e o ar estava límpido e fresco. Sentei na calçada e olhei para as pessoas que passavam. Me perguntei por que elas moram aqui — meio-dia na praça, homens fortes e acostumados ao trabalho braçal apenas conversando sob a sombra, se escondendo do calor de janeiro. No século XVIII, quando as diferenças tecnológicas entre grandes e pequenas cidades eram menores, ainda assim as pessoas iam embora, buscavam a exuberância dos grandes centros; como um Lucien de Rubempré correu para Paris, achando-se maior, muito maior que Angoulême.
Os homens usavam as mesmas roupas de 30 anos atrás — camisas de manga curta e tecido fino, calças largas, chapéus de feltro, alpercatas de couro. O mito do caldeirão racial brasileiro não existe aqui, porque todos eles, homens e mulheres, têm a mesma cor de rio, a mesma pele curtida, o mesmo sorriso desconfiado.
Elas passavam em motos e bicicletas. Notei o número alto de carros velhos, e finalmente percebi para onde vão os automóveis que as cidades maiores e mais ricas abandonam em favor de modelos mais novos: vão para o interior custando cada vez menos, e nelas continuam representando o mesmo símbolo de status que representaram em seus anos de glória; são como circos decadentes que precisam de cidades cada vez menores, cada vez mais atrasadas para levantarem os ohs e ahs de admiração que um dia ouviram de platéias mais sofisticadas, cuja memória aos poucos vai se perdendo.
Então vi que a pergunta que eu fazia não tem sentido, porque o que as faz continuar ali é o mesmo que fez as pessoas, ao longo dos séculos, continuarem em suas cidades, e nascerem e morrerem com as mesmas perspectivas modestas, e mais certezas do que dúvidas. A resposta é tão simples: elas não se acham maiores que Neópolis.
Talvez ninguém seja. Paguei meu refrigerante e fui embora.