MST

Se eu fosse Lula, já teria prendido o Stédile. O sujeito já tem problemas demais com os urubus da direita para ter que se preocupar com um louco incendiário quase dentro de casa.

O engraçado é que me parece que só o Stédile acha que o MST é um movimento socialista. Para os tantos sem-terras que o seguem, o MST diz respeito a propriedade, a ter o seu próprio pedaço de terra. É capitalismo puro, e dos anacrônicos, porque reivindica um direito básico e antigo. É preciso ser um país de estruturas extremamente defeituosas para conseguir gerar um movimento com esse.

Conheci um sertanejo que, entre outras coisas, fez uns bicos para a filha de João Amazonas em São Paulo — um dos homens a quem mais admiro na história do país –, e que me foi apresentado porque sabiam que fui militante do PCdoB por algum tempo. De volta ao seu sertão, juntou-se a um dos tantos grupos que estacionam à margem das estradas e em volta das fazendas que querem desapropriadas.

Não agüentou muito tempo. Faltava tudo, o mau cheiro do acampamento se tornou insuportável, e ele achou que sua miséria já era grande o suficiente sem que precisasse contribuir com panelas para o movimento, por exemplo.

O engraçado é que, para desgosto do Stédile, assentamentos sem-terras acabam movimentando, de forma tímida, a economia capitalista de uma região. Um grupo de sem-terras em Canindé do S. Francisco, por exemplo, acabou de comprar um lote de cabras na região.

E atravessando alguns assentamentos em Poço Redondo, sertão de Sergipe, uma coisa saltou ao olhos.

Algumas das casas eram mal-cuidadas; a miséria tem um talento especial e praticamente irresistível para degradar aquilo que recebe. Outras, ao contrário, eram bem organizadas, bem cuidadas, com soluções inventivas para a fartura (de “farta tudo”) em que vivem.

De vez em quando acho que o Stédile sabe muito pouco de sua gente.

The eastern trees bear a strange fruit

Blood on the leaves, and blood at the roots...Se esses xiitas iraquianos são selvagens, o que devemos dizer de quem joga bombas e mata milhares de crianças?

Cada vez mais me convenço de que usamos dois pesos e duas medidas para julgar civilizações diferentes. Não que esses iraquianos em questão não sejam selvagens, longe disso. É difícil conceber a alegria que sentiram em torturar e linchar esses americanos, é algo meio irreal e repugnante. Mas a forma como abordamos os atos deles é bem diferente de como abordamos os nossos, da civilização ocidental.

Sua selvageria, se não é justificável, tem uma origem.

E é difícil deixar de pensar que, se bombardeassem minha casa, se invadissem meu país e me tirassem a minha soberania, se matassem aqueles que amo e aqueles a quem admiro, se eu visse crianças mortas e cadáveres espalhados pelas cidades, eu provavelmente me tornaria um selvagem, também.

Notícias estranhas em um blog esquisito (VII)

O presidente do Turcomenistão está exigindo que seu povo deixe de usar dentes de ouro.

Não há surpresa nenhuma nisso. Suas medidas anteriores, entre outras, incluem banir o uso de barba, balé e circos (é preciso ser uma pessoa muito obtusa para banir o balé e muito, muito má para banir o circo).

E esse povo insensível ainda reclama de Lula.

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Pesquisa americana, via Boing Boing, diz que homens com maior média de ejaculação (21 por mês) correm menos risco de desenvolver câncer que aqueles com menor média (4 a 7 por mês).

Duas conclusões: homens casados têm maior chance de desenvolver câncer. Adolescentes com a cara cheia de espinhas ainda estão em dúvida: não têm certeza das condições da já famosa “esporrada da saúde”.

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Um garoto vietnamita de 17 anos ajudou a mãe a cortar fora o pintinho do papai, por ter ciscado em terreiro alheio.

É comprensível a atitude da mãe, embora isso seja cuspir no prato em que comeu. Mas a do filho é assustadora: é o maior caso de complexo de Édipo mal-resolvido que eu já vi.

E quanta ingratidão, meu Deus… Quanta ingratidão.

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Prostitutas lituanas cobram 3 vezes mais dos soldados da OTAN estacionados ali.

Ainda não entendi se é puro capitalismo ou se é uma comovente medida nacionalista de protesto ao imperialismo ianque.

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“É assim… Nos países onde a tolerância é zero!”

Uma menina de 9 anos foi presa por roubar um coelho e 10 dólares da casa de um vizinho.

Foi algemada enquanto liam seus direitos e interrogada na delegacia.

Pelo visto a menina não foi espancada direito, porque confessou o roubo do coelho mas negou ter levado o dinheiro.

A polícia está ficando mole demais.

E se a mãe da menina quiser eu ajudo a tocar fogo na casa da dona do coelho.

Peito de Moça

Chamar o Peito de Moça de acidente geográfico é um desrespeito.

O Peito de Moça são duas montanhas gêmeas em Paulo Afonso, Bahia. Vistas de onde eu estava, a sudeste, parecem dois seios rijos; daí o nome, colocado há séculos pelo povo sertanejo, antes de tudo um sábio.

Geógrafos diriam que o Peito de Moça é um acidente geográfico curioso, fortuito e com um belo efeito visual.

Mas o Peito de Moça não é tão pouco, não pode ser. É um incidente geográfico, uma brincadeira de ventos e chuvas ao mesmo tempo lúbricos e líricos. Não é um imprevisto. É uma aventura.

O Terceiro Mundo é ali

O presidente do Peru, Alejandro Toledo, passou a Semana Santa servindo de guia turístico para uma equipe do Discovery Travel Channel.

Ainda bem que eu moro em um país do Primeiro Mundo. Não queria ter que passar pela vergonha dessa confissão de terceiromundismo. Em vez disso, aqui a gente faz os americanos tocarem piano.

E ainda tem gente que reclama de Lula.

Da arte de mungir

Aos 11 anos tentei aprender a ordenhar uma vaca.

Não consegui. Aquilo era magia, só podia ser. Boa magia, por um bom mágico.

O tempo passou e aprendi a fazer tudo o que não sabia naquela época. Aprendi a cavalgar sem sela, a empinar um cavalo, tive força para poder encilhá-lo. Aprendi que quando venta não vem chuva.

Mas nunca mais tentei ordenhar uma vaca.

Agora resolvi esquecer que era incapaz de aprender. Troquei 10 palavras com o vaqueiro, ele ordenhou no ar uma teta imaginária — e então, na primeira tentativa, eu estava ordenhando uma vaca pela primeira vez em minha vida, enchendo de leite o meu próprio copo.

Algo aconteceu nesses 22 anos.

E nessas horas, é preciso dar o crédito a quem de direito.

A todas as minhas namoradas, mesmo as já esquecidas, o meu muito obrigado.

Comentários dos comentários

Fernando, eu até concordaria com o “velho demais” — não fosse o fato de na época ter aí pelos meus vinte anos. Se isso for ser velho demais, presumo que só entende aquilo uma criança de seis anos, a mesma que ainda acredita em Papai Noel.

Mas seria difícil concordar com o “velho demais para entender”. Eu sou velho demais, sim — mas para já ter visto essas atitudes um sem-número de vezes, para saber que é tudo jogo de cena, para saber que tudo isso tem pouco a ver com a música, para saber que idiotas conseguem fazer grandes obras. Sou velho demais para saber que no fundo é tudo showbiz, vendida sob o manto da rebeldia juvenil — uma rebeldia que nunca tem fim, que se torna cansativa quando você a vê pela enésima vez e que foi inventada quando os EUA perceberam que essa faixa de idade representava um grande mercado ainda inexplorado, nos anos 50. E velho demais para saber que o pintinho do Cobainzinho era pequenininho.

As brigas em torno do espólio dele mostram que no fundo ainda são as mesmas velhas coisas.

Bia, o fato de achar o Cobain um mané não quer dizer que o mesmo se aplique a sua banda. Concordo com tudo o que você disse sobre a importância do Nirvana.

(Mas o baudelairianismo de Cobain era fake — e eu acho que seu modelo era o Jim Morrison, ou seja, uma cópia da cópia. Finalmente, eu prefiro o Pearl Jam. De longe.)

Pausa para uma prece

Durante a Semana Santa este blog não será atualizado.

Vou fazer um retiro espiritual num fim de mundo chamado Canindé do São Francisco, às margens do rio São Francisco.

A Semana Santa dura 4 dias. Vou repensar meus valores, meus propósitos, vou fazer um balanço da minha vida; vou tentar chegar a uma definição do que é realmente importante e da razão pela qual, afinal, vim a este mundo de lágrimas.

Nos 3 dias, 23 horas e 59 minutos que restarem eu vou andar a cavalo, atirar um pouco, conversar besteira, beber meu uisquinho e olhar para o Peito de Moça.