Há alguns anos, vi no IMDb o comentário de um carioca a “O Cangaceiro”, filme de Lima Barreto. Ele dizia, com a autoridade que ser brasileiro lhe dava, que tinham retratado a caatinga de forma equivocada no filme. Dizia que na caatinga não havia árvores tão grandes, ou onças.
O sujeito estava falando um bocado de bobagens. Provavelmente achava que mata era só a Floresta da Tijuca, ou as árvores de 50 metros da Amazônia. Devia imaginar que a caatinga era um imenso descampado, com uma ou outra árvore retorcida aqui e ali.
Ainda hoje existem onças na caatinga. É raríssimo ver uma onça-pintada, mas ainda há um bom número de onças-pardas por ali. Quem acampa no Raso da Catarina (área bastante inóspita no sertão baiano), por exemplo, passa a noite ouvindo os sons que elas emitem — não propriamente miados, mas ruídos mais guturais e, me afirmam, um tanto assustadores. Elas normalmente evitam se aproximar por causa do fogo. No entanto são vítimas fáceis para caçadores, porque quando atacadas sobem na primeira árvore que encontram, e aí fica fácil atirar nelas.
A caatinga é o ecossistema mais ameaçado em todo o país. Restam menos de 5% de sua cobertura vegetal original; o resto foi substituído por pastos e pela lavoura, que graças à seca que assola o semi-árido não anda muito bem das pernas. As árvores da caatinga são pequenas, sim — mas se comparadas à Mata Atlântica ou à Floresta Amazônica. Era na caatinga que Lampião se escondia das volantes, justamente por ela ser densa e hostil para quem não a conhece. Por experiência própria, sei o quanto é fácil se perder dentro dela.
A foto acima foi tirada numa pequena reserva particular, de 500 hectares (a vegetação está verde por causa das chuvas de janeiro; mas desde então não chove, e em pouco tempo tudo vai adquirir uma coloração marrom-acinzentada). É muito pouco, mas já é um avanço. Até há alguns anos a legislação brasileira incentivava o desmatamento em todo o país, ao taxar quem mantinha áreas intocadas em suas propriedades; só recentemente passou a dar incentivos fiscais a quem preserva a mata original.
O comentário sobre “O Cangaceiro” me deixou pensando em como é grande o desconhecimento que ainda reina sobre a geografia brasileira. E a gente ainda fala da ignorância dos americanos.