Lá estou eu, num camarote assistindo ao Pré-Caju — um carnaval fora de época em Sergipe.
Em vez de aproveitar a boca livre, uma questão me intriga.
Se esportes são a sublimação do instinto de agressão do homem, o que é o carnaval?
Lá estou eu, num camarote assistindo ao Pré-Caju — um carnaval fora de época em Sergipe.
Em vez de aproveitar a boca livre, uma questão me intriga.
Se esportes são a sublimação do instinto de agressão do homem, o que é o carnaval?
De cima do camarote onde estou voam latas de cerveja e refrigerante para a rua.
É a colaboração de cada um. As latas fazem a alegria dos catadores, que olham esperançosos para cima à espera de mais latas, que serão amassadas e colocadas em um saco.
É um indício da cordialidade do brasileiro, da vontade de ajudar os menos afortunados?
Talvez. Talvez não. Eu, sinceramente, não sei.
Alguém avisa:
— Olha o Otávio Mesquita!
Muito tarde, e de saco cheio — é, boca livre também enche o saco depois de certo tempo.
Eu grito:
— Amaury Júnior! Amaury Júnior!
Ele ainda olha para ver quem é o filho da puta que está gritando. Parece ser gente boa.
Acho que é algo na água de Aracaju que me faz voltar à adolescência e me força a fazer essas coisas.
Um aposentado inglês morou por um ano e meio com seu irmão morto em um motor home.
Isso é tão inglês. Imagino um diálogo parecido com esse: “Por que o senhor não percebeu que seu irmão tinha batido as botas?” “Ele nunca me disse, sir. E eu tinha que respeitar a privacidade dele”.
Pesquisadores ingleses (quem mais, quem mais?) descobriram o segredo dos pombos-correio: eles fazem como a gente e seguem as estradas.
Pombos-correio são mais inteligentes que os cientistas, que aventavam uma série de teorias estapafúrdias relacionadas ao sol ou ao campo magnético da Terra. E acho que eles sabem disso. Por isso cagam nas cabeças das pessoas. É desprezo.
Um programa escocês de rádio sobre jardinagem deu orientações interessantíssimas, a um ouvinte, sobre como cultivar a erva maldita em casa.
Aposto que o ouvinte que recebeu as preciosas dicas se chama Paul McCartney.
A Casa Real Norueguesa pediu desculpas oficiais a Portugal depois que o príncipe Haakon disse ao presidente lusitano, Jorge Sampaio, que o seu país ficava no mar Mediterrâneo.
Imagino o pobre Sampaio coçando a cabeça e exclamando: “Ora, pois! E por que ninguém me avisou, ó gajo?”
Eu adoro esse mundo em que vivo.
Esta semana a Wikipedia alcançou a marca de 200 mil verbetes.
Quem não conhece não sabe o que está perdendo. A Wikipedia é uma enciclopédia online, gratuita e extremamente completa.
A diferença dela para as encicloplédias tradicionais, como a Britannica, é uma só: a Wikipedia está sendo construída baseada no open-source.
Ou seja, ela funciona de uma forma bem simples: todo mundo pode acrescentar um verbete — e todo mundo pode corrigir. Com isso, se está fazendo uma enciclopédia com um nível de acuidade excelente, em tempo que no modelo tradicional jamais seria possível.
A Wikipedia só é possível porque a internet existe e trouxe mudanças profundas na forma como se constrói e se transmite o conhecimento. O resultado do esforço comum, em que as pessoas colaboram apenas pelo desejo de compartilhar conhecimento (e às vezes pela velha e boa vontade de aparecer), atingiu na Wikipedia a perfeição. E mostra que a internet trouxe, sim, transformações importantes e provavelmente definitivas.
Depois daquele post sobre a bronca que levei de minha filha, procurei alguma informação sobre a reforma ortográfica que eliminou o K, o W e o Y da língua portuguesa. Não tenho certeza da data, acho que era 1946. Não achei nada, mas no Conhecimentos Gerais achei um sumário das mudanças que virão com a nova reforma:
Letras mudas – Desaparecem da língua escrita, em Portugal, o “c” e o “p” nas palavras onde não é pronunciado. Exemplos: acção, acto, actor, actual, electricidade, inspector, exacto, colectivo, direcção, abjecção, adopção, baptismo, óptimo, Egipto. Permanecem em palavras como secção, compacto, convicto, egípcio, apocalipse, rapto, óptica.
Os portugueses estão ficando mais inteligentes.
Dupla grafia – É consagrada a dupla grafia para palavras escritas e pronunciadas de maneira diferente em Portugal e no Brasil. Exemplo: aspeto, e aspecto, caracter e caráter, facto e fato, sector e setor, ceptro e cetro, amnistia e anistia, indemnizar e indenizar, dição e dicção, corruto e corrupto.
Eles falam óptica? Ceptro? Será que falam tepsão?
Dupla acentuação – É aceita a dupla acentuação para as palavras que têm acento circunflexo no Brasil e agudo em Portugal. Exemplo: bebê e bebé, bidê e bidé, crochê e croché, matinê e matiné, fêmur e fémur, ônus e ónus, tênis e ténis, Antônio e António, acadêmico e académico, anatômico e anatómico, cômodo e cómodo, efêmero e efémero.
Não é para unificar? Por que manter essa bobagem?
Acento agudo – Caem os acentos agudos nas paroxítonas que têm “ei” na sílaba tônica: assembléia, idéia, boléia, passam a assembleia, ideia, boleia.
Só tem um problema: sem o acento, eu posso passar a pronunciar boléiros. Açucaréiros.
Acento diferencial – Caem os acentos diferenciais para as palavras homófonas. Exemplo: “pára” do verbo parar e “para” preposição; “pêlo” substantivo e “pelo” contração; “pólo” substantivo e “polo” forma arcaica ou regional da contração.
E como fica uma frase como “Ele vai, para o carro, e come uma coxinha”? Ele vai para o carro ou vai parar o carro? (Tá, é implicância, eu sei.)
Acento circunflexo – Caem os circunflexos das paroxítonas terminadas em “o” duplo: abençôo, enjôo, vôo passam para abençoo, enjoo, voo.
Um problema é o crescente contato com o inglês, e o hábito crescente de se ler oo como u. Mas os anglófonos que se danem. Outro, mais sério, é falar côoperativa e enjóo.
Hífen – Permanece o hífen antes das palavras que começam com “h”, como anti-higiênico, pré-histórico, anti-heróico e antes das palavras que comecem com a última letra do prefixo, como em contra-almirante, hiper-resistente, pré-escolar, anti-imperialismo. Cai, em Portugal, o hífen em palavras formadas com os prefixos “de” e “in”, mesmo nas que começam por “h”: desumano, desidratado, inábil, inumano.
Eles realmente escreviam des-umano? Que horror.
Trema – Desaparece totalmente o trema: lingüiça, seqüência, freqüência, qüinqüênio, passam a linguiça, sequência, frequência, quinquênio.
Devo confessar que sou um apaixonado pelo trema. Pela beleza estética, quando menos: dois pinguinhos líricos em cima do U. E ele tem uma função fundamental: deixar claro como se fala determinada palavra. Mesmo que eu nunca a tenha visto, sei como pronunciá-la por causa dele. Sei, por exemplo, que enguiçar não se pronuncia engüiçar. Como vou saber, agora? Como vou saber que qüinqüênio não se pronuncia “kinkênio”? E quinze não se pronuncia “qüinze”? Está na hora de lançarmos um movimento pela preservação do trema. Não preservam baleias? Não preservam ianomâmis? Não preservam ararinhas azuis? Preservemos o trema, portanto. A mim, pelo menos, vai fazer mais falta. E como movimentos não são nada sem um slogan idiota, eu já bolei o meu: “La Terra é Trema!”. Só não sei se Visconti vai me perdoar.
Alfabeto – As letras “k”, “w” e “y” passam a ser oficialmente incorporadas ao alfabeto da língua portuguesa. Os dicionários já registram essas letras; os países africanos possuem muitas palavras escritas com elas.
Nossa, eu nem sabia que essas letras existiam. Que coisa.
Há uma certa graça no jeito como as pessoas vão ao cinema. Se é um filme bobo, elas se sentem autorizadas a gargalhar. Mas se é um filme que presumem “de arte”, definição esdrúxula que não consigo entender, a coisa muda de figura.
Foi assistindo a um desses filmes que cheguei à conclusão de que, quando o assunto é arte, a maioria dos entendidos é um grande rebanho de ovelhas, que simplesmente seguem o que seu pastor diz. Se o pastor diz para saltarem de um precipício, elas saltam.
O filme é “Fale com Ela”, de Almodóvar, em um cinema de Botafogo. Começa a cena de El Amante Minguante. As pessoas parecem pensar que estão diante de “Um Cão Andaluz”, e assistem ao sujeito entrando vagina monumental adentro com a reverência devida ao mais impenetrável hermetismo surrealista.
Eu sou o único no cinema a gargalhar. Porque aquela cena é para isso — aliás, Almodóvar é para gargalhar, mesmo. Na verdade, “Um Cão Andaluz” também. Aqui e ali umas risadinhas acanhadas se manifestam. E se calam em um instante.
Era um rebanho muito circunspecto, aquele.
K, W, Y.
Se você acha que leu três letras no parágrafo anterior, corra para um oftalmologista, porque você está enxergando mal. É ilusão de ótica. Essas letras não existem.
Pelo menos não na ortografia oficial brasileira.
Há algum tempo, um grupo de sábios resolveu que essas letras estavam sobrando no nosso alfabeto. Eliminaram as semi-vogais e dispensaram o K por redundante, acho. E passamos todos a fingir que essas três letras não existiam.
Enquanto isso o mundo continuava a girar e a aldeia global de McLuhan se concretizava, nos obrigando a conviver com New York. Mesmo antes disso, as pessoas continuavam nesse movimento de ignorantes, batizando seus filhos (conseqüentemente com a complacência do Estado) com letras que não existiam. Os milhares de Jacksons, Wilsons e Gladys no Brasil podem atestar essa preferência nacional pelo inexistente.
Toquei no assunto porque estou puto. Minha filha me deu a maior bronca, há alguns dias, porque ao declamar o alfabeto para ela esqueci essas três letras danadas. Eu não gosto de levar bronca. E ela não aceitou as desculpas que balbuciei de cabeça baixa, alegando que a culpa é de um bando de idiotas que resolveu banir três letras insignificantes, e de outros atarantados que ensinam a ela um alfabeto ainda inexistente.
Ela tinha razão.
Quase todo dia vejo alguma comparação entre o caso Betamax e o P2P. Nem mesmo leio mais essas matérias, porque já sei de cor a mensagem de todas elas: a indústria de entretenimento sempre reagiu equivocadamente às inovações tecnológicas. Citam o videocassete, o MP3 e a televisão como exemplo. Em todos esses casos, o cinema reagiu negativamente.
Acontece que não dá para comparar essas tecnologias. Não são a mesma coisa. E nem sempre a indústria de entretenimento foi realmente burra.
A reação da indústria fonográfica ao MP3 é histérica porque tem que ser assim mesmo: não há saída para o atual modelo de negócios se a troca livre de arquivos continuar aumentando. Iniciativas como o iTunes são paliativos que não poderão contornar o problema. Eles sabem que um novo status quo simplesmente acabaria com seu negócio — exatamente como o advento do fonógrafo destruiu a indústria de partituras.
Quando à TV, o cinema reagiu da única forma possível na época. Quando mudaram o formato dos filmes, em 52, saindo do 4×3 (que hoje é restrito à TV) e entrando em aventuras panorâmicas como o Cinemascope, não havia tecnologia que fizesse da TV uma aliada. A indústria precisava mudar a experiência de ir ao cinema, criar nele algo que o diferenciasse da telinha pequena da TV. Em curto prazo não foi muito eficiente; e as bilheterias continuaram caindo. Seria preciso um novo público e uma nova geração de cineastas, com um novo padrão estético e uma nova compreensão do mercado, o que só aconteceria nos anos 70.
A única reação realmente equivocada foi contra o vídeo-cassete. Ele viria a transformar o mercado e garantir uma nova receita para a indústria, mas não perceberam isso imediatamente. E mataram o Betamax.
Agora vem a reação ao MP3 e ao Divx. E mais uma vez eles estão corretos. Ainda não se descobriu uma solução — e eu pessoalmente não consigo ver nenhuma no horizonte — que faça com que essa indústria consiga dominar o compartilhamento de arquivos.
Eles se dizem gravadoras e produtoras, mas seu negócio sempre foi a distribuição. Eram imprescindíveis quando alcançar mercados custava muito — mas agora, que qualquer obra intelectual pode ser distribuída de graça, seu modelo de negócios corre o perigo de perder a razão de ser.
Costumo dizer que eles são muito mais inteligentes que a mídia que os critica e os acusa de cegos. Continuam sendo. E a razão é muito simples: só o dono do pé sabe onde seu calo realmente aperta. Eles viram o fim se aproximando, e estão apavorados.
Alguém veio parar aqui ao digitar as seguintes palavras no Google:
febre,febre,ouvidos tampados e muita dor de cabeça
Como este blog se esforça em prestar um serviço comunitário, baseado apenas no meu incomensurável altruísmo e na necessidade de ser útil à sociedade, e como graças à Luluzita eu agora sei tudo sobre os 3 mil vírus que circulam por aí, posso diagnosticar esse pobre enfermo.
Olha, cabra, eu não queria contar, não, mas pelos sintomas… Tu vai morrer.