Tell me why

Quando o assunto é Beatles, eu normalmente sou um esnobe pernóstico. (Não que não seja nos outros, mas nesse seguramente sou mais.)

Não gosto de perder tempo com análises dos outros, normalmente falhas e incompletas. Prefiro me ater às fontes originais e tirar minhas próprias conclusões — que modéstia à parte são muito boas. Portanto, quando me deparo com uma dessas peças, eu me afasto torcendo o nariz.

Mas esta análise de Charles Paul Freund é uma das melhores que vi nos últimos tempos, situando acertadamente os Beatles em seu tempo e ajudando a acabar com alguns mitos, a maioria favoráveis aos Fab Four; acima de tudo, coloca os Beatles como uma banda pop, muito mais que uma banda de rock.

E se é que se pode tirar alguma conclusão do que Freund diz, é que se John Lennon foi fundamental para a aura que os Beatles sempre tiveram, as qualidades e defeitos de McCartney é que dão à música dos Beatles o cerne de uma permanência que, até agora, parece eterna.

O elo perdido

Uma das questões que sempre me intrigaram em relação aos Beatles era como eles conseguiam aquela sonoridade em seus discos. Mesmo trabalhando em um estúdio inferior, o resultado é maravilhoso, e uma das razões para eles se manterem atuais.

Há várias explicações, mas nenhuma realmente completa. Vários outros estúdios tinham grandes produtores, na mesma época. Esta de Geoff Emerick, engenheiro de som da maioria de seus discos, talvez seja o elo que faltava:

Stereo was late being introduced in England; we were quite behind the times. Up until Abbey Road, everything was monitored in mono through one loudspeaker. Which was hard, but it also helped. Because it’s easy to get distinctive sounds between guitars if you’ve got them left and right. But if they’re coming from one sound speaker, they merge together, and it’s a fight to find a place and a tone and an echo for each guitar. And then, of course, when you got it and you switched to stereo, it was wonderful. It’s still a good way of putting sounds together.

O outro lado da guerra do copyright

Resumo da história: um DJ faz uma mixagem de um disco de Jay Z com as músicas do “Álbum Branco” dos Beatles, criando o Grey Album. A EMI ameaça o sujeito com processos por violação de copyright, e a comunidade internet, em protesto, lança a “Terça-feira Cinza” em 25/02, disponibilizando as músicas para quem quiser baixar. Fim da história. Thoreau ficaria orgulhoso.

Um pouco antes da confusão se espalhar baixei algumas das músicas do Grey Album. Achei apenas chatas. É por isso que acho a atitude da EMI extremamente burra: em primeiro lugar, essas remixagens são boa uma forma de levar a música de sua galinha dos ovos de ouro a um novo público; e a perseguição apenas realçou a fama (na minha opinião imerecida) do Grey Album — algo que por sua vez seria bom para a EMI se ela não aparecesse como a vilã da história.

O jornalista musical Devon Powers lança a questão: “algo deve ser feito em relação aos Beatles”. Ele acha que se deve tirar os direitos autorais dos Beatles e de outros artistas, porque a vigência desses direitos por tempo demais causam dano à sociedade e tiram da música a sua força social.

Cada vez mais questões de copyright se complicam. Mas parece claro que um artista tenha direito à maneira como tratam a sua obra. Não se fala aqui de divulgação, mas de manutenção da integridade da obra. Por exemplo, While My Guitar Gently Weeps é uma bela canção. A gravação é magistral (com um baixo maravilhoso de McCartney e solos divinos de Eric Clapton). Mas o que ouvi no Grey Album foi uma diluição sem graça e significado.

“Música como força social” é um conceito difuso demais; se há alguma nas canções de Britney Spears, por favor me mostrem. Por outro lado o rap é, sim, uma “força social”: mas para isso não precisa cortar e colar trechos de discos antigos. Sua força não está nisso, está nas letras e na relevância da música como reflexo da vida e como parte de um movimento social. Tenho cá minhas dúvidas sobre a validade artística de simplesmente misturar obras de duas pessoas diferentes — mais ou menos como se eu colasse uma figura de Dalí num quadro de Ticiano e dissesse que aquela obra era minha –, mas ainda que se admita que isso é arte, parece óbvio que os donos da obra original têm alguns direitos. Se optam por exercê-lo ou não é outra coisa.

Até agora não há uma resposta única e simples à questão da atualização dos direitos autorais. Como dizia H. L. Mencken, “Para cada problema complexo, há uma solução simples, cristalina, e errada”.

(En passant: esse blog está licenciado sob uma licença de some rights reserved da Creative Commons. Ou seja, você pode copiar e divulgar o que quiser daqui, desde que diga quem foi o otário que escreveu, não altere nada e não use para fins comerciais. Cá para nós, é uma bobagem que eu coloquei só para apoiar essa nova forma de gerenciamento de direitos autorais, porque a verdade é que você pode fazer o que quiser com o que encontra aqui que eu não vou poder fazer nada, por insuficiência de meios de fiscalização e coerção e porque, no fim das contas, isso importa pouco. E se alguém conseguir ganhar dinheiro com o que encontrar aqui, por favor me avise, para que eu possa lhe idolatrar como a um novo deus e tentar tirar uma lasquinha também.)

Mais do mesmo

Quando a AOL comprou a Time Warner, revistas e jornais — e principalmente websites, claro — em todo o mundo apontaram a hegemonia do mundo “pontocom” sobre a velha ordem estabelecida, a vitória do novo sobre o velho.

Na época eu me interessava muito por isso, por estar envolvido com o lançamento de uma dessas empresas.

Eu via as coisas de maneira diferente. Para mim, aquele era o início do fim daquela onda de euforia. O que a compra da Time Warner me indicava era justamente o contrário do que eu lia nas revistas: era claramente o esgotamento de um modelo que me parecia carente de substância. Ao comprar a Time Warner, a AOL admitia que aquele modelo de negócios não era nada sem conteúdo.

O crash das empresas pontocom, menos de um ano depois, confirmou as minhas suspeitas.

E com a Comcast anunciando sua intenção de comprar a Disney, o New York Times de hoje traz esta manchete: Disney Deal Suggests Content Is No Longer King.

De vez em quando perco toda a esperança e penso que as pessoas simplesmente não aprendem.

Então deixa só eu recapitular as coisas para esses egressos do Instituto Benjamin Constant: distribuição sem conteúdo não é nada. Há uma hierarquia básica nas coisas do mundo. Eu preciso aprender a andar antes de aprender a correr. Eu posso criar algo e não ter como distribuir. Mas não posso distribuir o que não existe.

A propósito, recentemente a Time Warner tirou o AOL do seu nome.

Eu falo, tu fales, ele fale, eles falem

Eu adoro verbos defectivos.

Esses verbos às vezes dizem muito sobre como vemos o mundo, como aceitamos ou distorcemos a realidade.

O verbo falir, por exemplo. No presente do indicativo ele só tem duas conjugações, na primeira e segunda pessoas do plural. Isso quer dizer nós podemos falir neste momento, e então o fracasso pode ser admitido por ter vários pais; mas eu, sozinho, não posso.

A falência deve ser plural, nunca singular. É como gostaríamos que fosse. Porque a verdade, infelizmente, é justamente o contrário.

Nostalgia da sacanagem

Não sei se estou há muito tempo longe do mundo, mas nos últimos dias uma enxurrada de pessoas vêm parar aqui procurando pelo velho e bom Sady Baby.

Alguém pode me explicar o que está acontecendo? Por que o interesse repentino nesse monstro da produção cinematográfica nacional? Não é possível que seja uma onda de nostalgia em relação à putaria d’antanho.

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Quer saber a que ponto chegou o absurdo das leis de direitos autorais?

É só pegar a segunda faixa de The Whitey Album, de uma banda chamada Ciccone Youth (a qual nunca vi ou ouvi mais magra, mais gorda ou mais parecida com Madonna Louise).

Você pode baixá-la no iTunes, pagando 99 centavos de dólar. Naturalmente ela é protegida por todo aquele aparato de garantia de direitos autorais — o que quer dizer que você não pode copiá-la ou quebrar a proteção que impede regravações.

Ela é como qualquer outra faixa que você baixa nesses serviços de venda de música online.

O único detalhe curioso é que a faixa é composta de um minuto e três segundos do mais profundo, absoluto e inconfundível silêncio.

Olhai os lírios do campo

Sei lá por quê, mas lembrei de um colega de faculdade.

Era novembro de 1994. Tinha acabado de terminar uma campanha e voltado à universidade. Foi lá que encontrei um amigo, um grande câmera. Tiramos o fim da manhã e a tarde para beber e conversar. E então ele me chamou para ir ao restaurante de uma amiga.

Funcionava num lugar simples — aquele “simples” que a gente usa como eufemismo para pobre em dinheiro e pobre em horizontes –, restaurante e residência ao mesmo tempo.

Fiquei sabendo a história de sua vida. Abandonada pelo marido, teve que fazer das tripas coração para sustentar os filhos. Era uma história de luta e de esforço. O tipo de luta que mesmo o cínico mais empedernido tem que respeitar.

Quando ela ficou sabendo que eu fazia direito na Federal, ficou empolgada e orgulhosa. Seu filho mais velho também estudava direito lá. Era meu colega. Fiquei imaginando o seu esforço em dar a melhor educação possível ao filho.

Quando o encontrei de novo, comentei que tinha ido à casa dele e conhecido sua mãe.

E então ele ficou vermelho, se pôs na defensiva, se apressou em encerrar a conversa.

Sua mãe era uma heroína, e ele tinha vergonha dela e de sua pobreza.

Patriotada

Lendo um post no Melting Pot vejo uma referência ao guaraná. Fico imaginando como é interessante que, longe do torrão natal, as pessoas passam a ter saudades de coisas às quais prestavam pouca atenção ou davam pouco valor. A maior parte das pessoas cujos relatos vejo menciona o guaraná, essa bebida brasileira que muita gente parece achar ser a maior invenção do mundo (o que não quer dizer necessariamente que o Melting Pot também ache).

Pois se eu me exilasse sentiria saudade de um monte de coisas — menos de guaraná.

E me dedicaria, como Baudelaire numa casa de ópio, a encher a barriga com coca-cola e fingir saudades inexistentes.

De como a RIAA prestou um grande favor a Bin Laden

Um comercial da RIAA mostra alguém baixando uma música no computador e, em outro lugar, uma festa animadíssima. Quando o download chega ao fim, as luzes se apagam e a música pára na tal festa. Entendeu a analogia? Inteligente, não é? Eu tenho certeza de que, ao verem o comercial, todos aqueles que baixam música na Internet vão parar imediamente de cometer tal crime, porque agora sabem que download “ilegal” de música causa apagões.

De qualquer forma, Osama bin Laden está felicíssimo, porque já sabe como vai ser seu próximo ataque ao grande Satã. Vai precisar apenas de um computador, uma linha telefônica e o iMesh.