Free as a Bird e Real Love são as músicas “inéditas” que os Threetles (Paul, George e Ringo) gravaram nos dois primeiros volumes do projeto Anthology, no meio da década de 1990. Eram gravações caseiras de John Lennon que os remanescentes recauchutaram para ganhar um trocado.
A primeira razão para serem ruins é óbvia demais: o próprio Lennon achava isso. Tão ruins que preferiu não lançá-las em Double Fantasy, um disco em que metade das canções era composta e cantada — se é que se pode chamar aquilo de “cantar” — por Yoko Ono. Além disso, quando Yoko lançou o Milk and Honey em 1983, com as sobras do Double Fantasy, também deixou essas duas gravações de lado. Outros discos de sobras (Every Man Has a Woman e Menlove Ave.) também deixaram essas músicas de lado. Uma versão de Real Love apareceu finalmente em “Imagine John Lennon”, uma cinebiografia produzida em 1988, porque a fonte começava a secar e ela preferia guardar o melhor das sobras para o futuro, que se concretizou no Lennon Anthology.
Free as a Bird e Real Love não passam disso, de canções rejeitadas pelo seu autor.
Se isso não é razão suficiente, é só olhar para as gravações em si. Fizeram o diabo para tornar aquilo minimamente aceitável do ponto de vista técnico: o resultado é a voz de Lennon, em baixa qualidade, coberta por camadas e camadas de som. Free as a Bird é um pouco melhor, porque McCartney e Harrison adicionaram alguns bons trechos à canção. Mesmo assim, elas simplesmente não estão à altura da obra dos Beatles.
Elas só foram lançadas porque precisavam criar um factóide que impulsionasse o lançamento do Anthology, e porque McCartney e Yoko são egomaníacos, Harrrison estava quase quebrado depois de roubado por seu sócio na Handmade Films (que deu ao mundo os belíssimos filmes do Monty Python) e Ringo precisava de dinheiro depois de estourar uma grana preta em cocaína.
(Uma ressalva ao videoclipe de Free as Bird. Enquanto o de Real Love é medíocre, o de Free as a Bird é absolutamente genial, uma das melhores aplicações de CGI que eu já vi.)
Admitir que essas duas canções são ruins não quer dizer que eu “não goste dos Beatles”. Pelo contrário. Eu gosto dos Beatles porque eles foram brilhantes demais, revolucionários demais para que eu precise me contentar com puro e simples lixo.
A propósito: ao contrário do que podem ter dito ao Galvao do Valle, os Beatles nunca foram deuses. Eram só quatro filhos da puta como todo mundo, capazes de canalhices como:
a) assaltar marinheiros bêbados e tratar o filho como menos que lixo, no caso de Lennon;
b) explorar seus empregados e tratar seus colegas de banda como subalternos — McCartney;
c) cantar a mulher do melhor amigo (Ringo) na cara dele, o que Harrison fez em meados dos anos 70; e
d) bater tanto na mulher, bêbado e cheio de cocaína, que acordou em uma poça de sangue, o que levou Ringo a procurar tratamento.
E que por acaso tinham muito, muito talento.