A última sessão de cinema

Talvez eu tenha presenciado um momento histórico do cinema, o fim de uma era.

Levei minha filha e meus sobrinhos para assistir a “Irmão Urso”, o mais recente desenho da Disney. Não é brilhante, embora não chegue a ser uma decepção fragorosa como “Mulan” ou “Hércules”.

Mas a qualidade do filme é o menos importante. Circulam boatos de que este é provavelmente o último desenho da Disney produzido em animação tradicional. A partir de agora a Disney se limitaria aos desenhos computadorizados, como “Procurando Nemo”, feitos em sua parceria com a Pixar. Aliás, tendo em vista que o pau vem quebrando no board da Disney (com Roy E. Disney renunciando e atacando Eisner), já tem gente recomendando que Steve Jobs assuma aquela joça, já que os filmes que sua Pixar produz são o que a Disney lança de melhor.

Se isso é bom ou ruim é difícil dizer. Por um lado, é a evolução natural da indústria, e contra isso não há remédio além dos resmungos impotentes dos velhos puristas. A arte continua, apenas mudam suas ferramentas. Por outro, é um daqueles exemplos em que a ferramenta é decisiva no resultado final. O traço bidimensional pode até ser arcaico, mas é único, belo, e não merece chegar ao fim. Há uma arte específica no desenho animado feito traço a traço.

Pode ser exagero, mas é como se perdêssemos um pouco de humanidade ao nos restringirmos cada vez mais aos computadores no que temos de mais humano: a arte.

Aurora

Lembrando muito de Bob Dylan:

Because something’s happening
but you don’t know what it is.
Do you, Mr. Jones?

A candidatura de Howard Dean pode estar inaugurando um novo tempo em campanhas políticas: o tempo da internet como mídia significativa e influente, como nota Pedro Dória.

E a Wired tem uma matéria em que escancara essa percepção de uma vez: “Como a Internet inventou Dean“.

Assim como Roosevelt teria inaugurado a era política do rádio e Kennedy a da televisão (na verdade, por incrível que pareça Nixon a usou politicamente antes, para variar tentando consertar uma bobagem; daquela vez ele conseguiu), Dean estaria inaugurando a era da internet. Está aproveitando o nível crescente de sofisticação da rede, a partir da equação e-mail + blog = comunidade.

Ainda é cedo para dizer quem vai ganhar esta eleição, e a analogia de que todos os que iniciaram o uso de uma nova mídia se elegeram e foram presidentes importantes é pouco mais que um exercício de vontade. Também é cedo para dizer se a campanha brasileira vai absorver já em 2004 essa nova mídia; de 1996 (o ano em que primeiro se usou internet nas campanhas eleitorais no Brasil) para cá pouca coisa mudou. O que fica é aquela impressão gostosa de que estes são tempos de maravilhas em eterna mudança.

Por que Free as a Bird e Real Love são ruins

Free as a Bird e Real Love são as músicas “inéditas” que os Threetles (Paul, George e Ringo) gravaram nos dois primeiros volumes do projeto Anthology, no meio da década de 1990. Eram gravações caseiras de John Lennon que os remanescentes recauchutaram para ganhar um trocado.

A primeira razão para serem ruins é óbvia demais: o próprio Lennon achava isso. Tão ruins que preferiu não lançá-las em Double Fantasy, um disco em que metade das canções era composta e cantada — se é que se pode chamar aquilo de “cantar” — por Yoko Ono. Além disso, quando Yoko lançou o Milk and Honey em 1983, com as sobras do Double Fantasy, também deixou essas duas gravações de lado. Outros discos de sobras (Every Man Has a Woman e Menlove Ave.) também deixaram essas músicas de lado. Uma versão de Real Love apareceu finalmente em “Imagine John Lennon”, uma cinebiografia produzida em 1988, porque a fonte começava a secar e ela preferia guardar o melhor das sobras para o futuro, que se concretizou no Lennon Anthology.

Free as a Bird e Real Love não passam disso, de canções rejeitadas pelo seu autor.

Se isso não é razão suficiente, é só olhar para as gravações em si. Fizeram o diabo para tornar aquilo minimamente aceitável do ponto de vista técnico: o resultado é a voz de Lennon, em baixa qualidade, coberta por camadas e camadas de som. Free as a Bird é um pouco melhor, porque McCartney e Harrison adicionaram alguns bons trechos à canção. Mesmo assim, elas simplesmente não estão à altura da obra dos Beatles.

Elas só foram lançadas porque precisavam criar um factóide que impulsionasse o lançamento do Anthology, e porque McCartney e Yoko são egomaníacos, Harrrison estava quase quebrado depois de roubado por seu sócio na Handmade Films (que deu ao mundo os belíssimos filmes do Monty Python) e Ringo precisava de dinheiro depois de estourar uma grana preta em cocaína.

(Uma ressalva ao videoclipe de Free as Bird. Enquanto o de Real Love é medíocre, o de Free as a Bird é absolutamente genial, uma das melhores aplicações de CGI que eu já vi.)

Admitir que essas duas canções são ruins não quer dizer que eu “não goste dos Beatles”. Pelo contrário. Eu gosto dos Beatles porque eles foram brilhantes demais, revolucionários demais para que eu precise me contentar com puro e simples lixo.

A propósito: ao contrário do que podem ter dito ao Galvao do Valle, os Beatles nunca foram deuses. Eram só quatro filhos da puta como todo mundo, capazes de canalhices como:

a) assaltar marinheiros bêbados e tratar o filho como menos que lixo, no caso de Lennon;
b) explorar seus empregados e tratar seus colegas de banda como subalternos — McCartney;
c) cantar a mulher do melhor amigo (Ringo) na cara dele, o que Harrison fez em meados dos anos 70; e
d) bater tanto na mulher, bêbado e cheio de cocaína, que acordou em uma poça de sangue, o que levou Ringo a procurar tratamento.

E que por acaso tinham muito, muito talento.

Disposofobia

Descobri o nome da minha mania de guardar revistas antigas.

É uma doença chamada disposofobia, caracterizada por um medo patológico de jogar alguma coisa fora.

Ou seja, a compulsão por guardar aquela edição antiga da Veja Rio porque algum dia eu posso vir a querer saber o que aconteceu em 12 de setembro de 1997.

Às vezes isso alcança níveis preocupantes. Um tal de Patrice Moore ficou preso por dois dias em seu apartamento em Nova York, depois do desabamento de suas pilhas de revistas.

Que bom que eu não sou como ele. Porque eu paro de guardar revistas quando quiser. Eu guardo porque gosto. Eu não sou viciado, sabe?

Propaganda em Aracaju

Dando uma olhada nas publicações locais, algumas pequenas surpresas.

Uma coluna especializada diz que a publicidade feita aqui não deixa nada a dever à dos grandes centros.

Devemos estar em cidades diferentes, porque o que vejo aqui é o contrário. A propaganda sergipana é ruim. Ponto. É ruim porque não há dinheiro, porque se criou uma cultura em que se tenta tirar leite de pedra e os empresários de comunicação, um pouco por necessidade e um pouco por vício, se condicionaram a fazer qualquer coisa para garantir sua sobrevivência. E também porque a cultura da cidade é hostil à criatividade publicitária.

Por outro lado, uma matéria sobre propaganda em uma revista local diz que “há falta de bons redatores” em Sergipe.

E isso é verdade. Ou melhor, meia verdade. Não é que Aracaju não produza talentos. Produz, sim; talento não conhece geografia. Mas a cidade os mata — ou os ejeta sem pena, quando eles têm sorte.

Apenas em um segmento Sergipe está bem servida: o marketing político. Nos últimos 10 anos Aracaju produziu alguns dos melhores homens de marketing político que conheci. A campanha de 1994, por exemplo, foi brilhante, em uma eleição em que o TSE tornou a atividade quase impraticável para evitar a repetição da campanha de Lula em 1989.

Além disso, em qualquer lugar do mundo publicidade paga muito bem; é desse dinheiro que vem parte do glamour que cerca a atividade. Mas Aracaju tinha que ser diferente. São salários humilhantes, pelo que ouço, que denotam a mais profunda falta de respeito pela criação publicitária. É melhor ser funcionário público. Exigir talento sem dar a contrapartida necessária é injusto e, cá para nós, impraticável. Não há oferta porque, na verdade, não há procura; há, sim, um arremedo disso, o que é muito diferente. Os talentos que surgem aqui não encontram nenhum tipo de incentivo, e se vêm diante de um dilema: ou se acomodam e embotam ou simplesmente arranjam mais o que fazer da vida. É então fácil assumir uma postura cínica diante da atividade (um bom exemplo é o outdoor do post anterior).

Isso deriva, em parte, de um vício curioso na propaganda sergipana: todo mundo se acha capaz de criar um anúncio ou escrever um texto; há uma desvalorização do ato de escrever, como se dominar uma ferramenta como o computador fosse mais importante que conceituar uma peça. É como se aquele sujeito que escrevia poemas de amor na adolescência achasse sua obra tão boa quanto um soneto de Shakespeare.

Alguém quer melhor incentivo para as faculdades de direito?

Retificando (ou ratificando…)

Fuçando os comentários antigos (dificilmente leio comentários novos a posts antigos, a propósito) achei um interessante, em resposta a este post sobre John Updike:

Psoríase é uma enfermidade dermatológia que atinge cerca de 3% da população mundial. Não sei nem como classificar alguém que tem uma atitude dessas, demonstrando alegria e felicidade porque um outro é portador de psoríase.
Haroldo Tajra.

É chato admitir, mas concordo com o tal Tajra. É canalhice mesmo. É baixeza tripudiar sobre problemas físicos dos outros. É algo que minha mãe me ensinou a não fazer e que me incomoda. Portanto ele pode me classificar como quiser, que terá razão.

Mas pior é admitir que não sinto nenhum arrependimento, que faria tudo de novo, e que ainda acho aquele escroto mal-educado um escritor medíocre. Porque para mim ele vai estar para sempre sentado nos únicos bancos daquela estação de vaporetto, incapaz de oferecer seu assento a uma mulher grávida. E eu vou continuar alegre por aquele grosso ter psoríase e eu não.

A verdade sobre a morte de Lady Di

Quando Lady Diana morreu, a comoção causada pela tragédia e a quase canonização da moça me deixaram incomodado.

Para mim, aquela mulher era uma oportunista. Sabia que estava casando com um futuro rei e que esse tipo de casamento não tem nada a ver com amor. Era uma mulher capaz de usar a mídia para fazer manipulação barata, fazendo aquele trocadilho sobre querer ser a queen of hearts — isso numa entrevista em que admitia ter enfeitado a testa do marido. (E eu acho o príncipe Harry a cara do pai — o tal capitão, não Charles.)

Me irritou ainda mais a tentativa de culpar os paparazzi por sua morte. O que se tinha ali era um motorista bêbado, muito acima da velocidade permitida porque estava dirigindo para “nobres” acima de convenções como leis de trânsito, evitando os mesmos urubus que ela costumava usar quando lhe convinha, porque de repente tinha uma necessidade de privacidade que não sentiu quando resolveu escancarar sua intimidade à nação. Pactos com o diabo nem sempre saem como a gente espera, como bem sabia Fausto.

Agora os teóricos da conspiração estão tentando jogar a culpa pela morte da quenga real nas costas de Charles, porque em uma carta aquela mulher insana teria acusado o ex-marido de querer matá-la.

A vida não tem mesmo sido fácil para Charles. Primeiro é aquela desgraçada que não larga o trono. Depois vem o mordomo que resolveu contar pequenas indiscrições que, se verdadeiras, acabam com a imagem de playboy que o príncipe amealhou nos anos 70 — como se Camilla Parker-Bowles não fosse suficiente. Agora querem pintar o senhor das orelhinhas bonitas como um corno vingativo e anti-islâmico.

Teorias conspiratórias são esquisitas. A maioria se baseia na ignorância: se eu não sei alguma coisa, podem me convencer de qualquer bobagem. Mas outras são absurdos que vão de encontro à inteligência de qualquer pessoa que tenha mais de 3 neurônios em perfeito funcionamento. O plano de assassinato de Diana se enquadra nesta última categoria.

E já que é assim, já que esse assunto inane conseguiu tamanho espaço numa mídia sem juízo, eu também vou lançar a minha teoria. É tão imbecil válida quanto as outras.

Na verdade Diana não morreu. Foi vista pelo irmão do cunhado de um primo de um amigo meu há algumas semanas num boteco de Altamira, Pará. Fingiu sua morte para fugir com seu grande amor, um garimpeiro conhecido como Goldifinga, por causa de seus dentes de ouro e por matar seus rivais. A vida de dona de casa na fronteira fez com que a inglesa engordasse, os peitos caíram ainda mais, suas pernas estão marcadas por varizes. Ela quase não foi reconhecida, porque agora carrega manchas de gravidez no rosto — ela teve mais 6 filhos com Goldifinga: Ariston, Jefferson e Washington (gêmeos), Roberto Carlos, Margareth e Goreth, e espera mais um. Se for homem se chamará Roberclay Willames, e se for mulher será batizada pelo bispo Evanir como Gilvaneide, em homenagem à avó paterna. Goldifinga bate nela todas as noites, porque acredita que mulher que apanha fica mais macia. Nos fins de semana Diana vai a festas com seu marido em lugares familiares como a Casa de Tia Edelvaiss (também conhecida como “a Polaca”). Aos domingos, freqüenta os cultos da Igreja Universal, e deixa religiosamente o dízimo nos cofres da igreja.

A salvo de todas essas teorias conspiratórias, Diana é uma mulher feliz em Altamira.

Por que não gosto daquele outdoor

Oi, Fernando.

Eu continuo achando que aquele outdoor é ruim. Deixa eu tentar explicar por quê.

O título, na minha opinião, reflete uma das piores coisas que podem acontecer a um publicitário: o cinismo em relação ao seu trabalho, a sensação de que ele não vale nada. É fácil adivinhar o que aconteceu durante o briefing: a agência disse ao cliente que essa não era a forma mais apropriada de se divulgar os resultados, mas ele, que provavelmente acredita entender tanto de comunicação quanto de gerenciar uma escola, bateu pé. E a agência decidiu que “o dinheiro é dele, então dane-se. O importante é manter a conta e continuar ganhando os 20% de veiculação” (provavelmente não cobram criação, hábito comum por estas plagas).

O resto do outdoor é um erro de marketing. A força do outdoor, qualquer manual de propaganda ensina, está na concisão de sua mensagem. Quando você subverte isso, simplesmente destrói todo o esforço feito até ali — e desperdiça dinheiro. Fazer um outdoor que, sabe-se de antemão, ninguém vai ler é um desrespeito ao público.

Se é para divulgar os nomes dos aprovados, há um veículo muito melhor: jornal. Por isso o problema desse outdoor não é exatamente criatividade, e sim pertinência. Antes de ser criativa, uma peça publicitária precisa ser correta. E essa não é. Está tudo errado nela. E assim ela deixa de ser eficiente.

A propósito, o dado realmente relevante não é bem o número de aprovados (não é um número alto, por sinal; já anunciei 1.280). É o primeiro lugar geral. Não perceberam isso.

Depois de reconhecer o problema real de marketing é que entra a criatividade. E há milhões de maneiras de dizer algo criativamente.

E Dani, a marca coube no outdoor, sim, e até que não estava grande demais. Mas além de não haver espaço, eu é que não ia colocar a foto aqui. Eu nao compro briga com anunciantes, por razões óbvias.

O fim de uma era

O PageMaker foi fundamental para a evolução do desktop publishing, a maior transformação que a indústria gráfica experimentou em quase meio milênio. Foi também o killer app que, depois ter praticamente crrado o Macintosh, possibilitou a ascensão do Windows, transformando, por sua vez, a correlação de forças entre o PC e o Macintosh.

É o PageMaker que a Adobe está deixando morrer agora. Anunciou que está tirando o programa de circulação, substituindo-o definitivamente pelo InDesign.

É uma morte anunciada. A última versão do PageMaker, a 7, foi o primeiro downgrade da história: tinha menos recursos que a versão anterior, a 6.5. Era uma maneira de forçar seus usuários a migrarem para o InDesign.

É impossível avaliar o número de pessoas que criou uma carreira sobre o PageMaker. E o triste é que dificilmente eles sentirão saudades. Culpa desse mundo que não pára de mudar.