De Rod Steiger a Antonio Banderas, que o dirigiu em “Loucos do Alabama”:
“Você tem que ver, Antonio, que você é uma estrela. Mas eu sou uma lenda. Eu estou acima de você.”
Eu tenho uma leve idéia da razão pela qual gosto de Rod Steiger.
De Rod Steiger a Antonio Banderas, que o dirigiu em “Loucos do Alabama”:
“Você tem que ver, Antonio, que você é uma estrela. Mas eu sou uma lenda. Eu estou acima de você.”
Eu tenho uma leve idéia da razão pela qual gosto de Rod Steiger.
Mário Sergio Conti falou uma coisa interessantíssima em uma de suas colunas em nomínimo: o Brasil está se tornando um país com elite católica e povo evangélico.
O avanço pentecostal podia ser notado em Salvador há alguns anos, mas parecia um fenômeno local, devido às características religiosas específicas da cidade. Não era: acontecia em todo país, sob as barbas da atenção oficial, incapaz de ver o que era o Brasil de verdade.
Uma das vantagens de uma religião antiga e com uma história de intimidade perdida com o poder, como a católica, é o fato de ela se tornar cada vez mais tolerante e menos intrusiva no cotidiano das pessoas. O Papa é contra o uso de camisinha, mas o povo não está nem aí; se dessem ouvidos a ele, o problema da Aids seria muito pior. Em um mundo majoritariamente evangélico, com alto grau de ortodoxia, o caminho estaria aberto para uma tragédia de maiores proporções.
A empregada de minha mãe é evangélica — e ela tem a vantagem de trabalhar aos domingos, porque o seu dia santo é o sábado. Trabalha ouvindo uma rádio evangélica, o que talvez santifique o seu trabalho. Talvez isso abençôe a casa, quem sabe?
Não tenho muita certeza de que o Brasil do futuro vai ser realmente melhor, com fanáticos nas ruas pregando o Apocalipse de São João e tentando me tirar do pecadinho nosso de cada dia. Por via das dúvidas, louvado seja o Senhor.
Vendo os números que o kinemanacional amealhou ano passado, tem-se a impressão de que ele está chegando à maturidade. Nos últimos anos retomou uma parcela do público que teve na era da Cinédia e da Atlântida, e recriou uma cultura que, se ainda não é francamente favorável, é extremamente eficiente em dirimir o preconceito que durante anos acompanhou os filmes made in Brazil.
Os números podem levar a crer, também, que a política de incentivo está correta e não deve ser mudada.
As duas impressões estão erradas.
Claro, o kinemanacional melhorou esplendorosamente a partir da segunda metade dos anos 90. E está descobrindo a sua linguagem própria, livre dos excessos hollywoodianos e “cinemanovísticos”. Já não precisa fingir que engodos como “O Quatrilho” são geniais, porque conseguiu produzir grandes filmes. Descobriu também que a diversidade temática e narrativa é uma bênção. Mas esse é um processo lento, que ainda está no começo. 5 bons filmes por ano ainda não são o suficiente.
Não há nenhuma dúvida de que a política de incentivo estatal foi fundamental para a “retomada”, como chamam. Se por um lado é esquisito que o Estado financie o cinema indiretamente, enquanto permite a empresas fazerem propaganda com dinheiro público, por outro acertou ao tirar do governo o poder de decisão sobre quem pode e quem não pode fazer cinema. Pode não ser o ideal, mas é um grande passo à frente.
(A propósito, sou uma das poucas pessoas que concordaram desde o início com a extinção da Embrafilme por Collor. O que na época viram como mera vingança de Collor e Ipojuca Pontes contra a rejeição pelo meio artístico foi, na verdade, a rasteira na muleta que fez com que o aleijadinho tentasse aprender a andar. Extinguiu um sistema viciado que ao misturar política e arte tinha levado o cinema ao buraco.)
Mas à medida que o kinemanacional vai se fortalecendo, e apagando o preconceito que o cinema novo e a Embrafilme criaram no povo brasileiro, vai ficando cada vez mais incompreensível que potências como a Globo se aproveitem do erário para produzir. É preciso que se crie novas formas de financiamento, porque esse sistema começa a dar mostras de que já cumpriu a sua função histórica.
Obviamente, revogar pura e simplesmente a lei do Audiovisual, Rouanet ou Sarney — ou seja lá como ela se chama agora — seria uma tragédia e jogaria por terra tudo o que se conseguiu até agora. Não dá para esquecer que, com exceção de Hollywood e Índia, não há país cujo cinema consiga se sustentar sem a mãozinha protetora do Estado. Mas talvez já seja hora de estabelecer um calendário de redução do incentivo público, algo gradual e lento. Do contrário, mais cedo ou mais tarde tudo vai voltar ao que era antes.
Não é um processo fácil, e se eu tivesse a solução estaria rico a essa altura — rico e moralmente podre como os grandes chefões dos estúdios na era de ouro de Hollywood (confesso que sempre sonhei em ser como eles, um Chaplin ou um Fatty Arbuckle naquelas bacanais homéricas e desbragadamente amorais). Mas já é hora de começar a fazer com que o cinema passe a ser um negócio de verdade, sob pena de a história se repetir. E quando a engraçadinha se repete, é sempre como farsa.
Chequem a coluna do Luiz Gravatá de hoje em O Globo. Ele, em sua inteligência, clarividência e brilhantismo jornalístico, citou um blog que eu leio todo dia.
E lá vamos nós para o supermercado: eu, minha filha e meus dois sobrinhos. Os mais velhos têm 5 anos, a mais nova 4.
Sabe Deus como, amontôo os três num carrinho e começamos a passear. Tenho que comprar pouca coisa, e muita coisa para ouvir:
— Eu quero o Sucrilhos do Nemo!
— Eu quero o caderno da Polly!
As crianças do século XXII virão com códigos de barra, eu suponho.
Considerando que Zé nasceu na favela, de mãe lavadeira e pai flanelinha, e que apesar de todas as dificuldades e do ambiente hostil conseguiu ascender e se tornar um membro proeminente e respeitável da sociedade, podemos afirmar que:
a) O exemplo de Zé não é válido, porque pretende retirar a responsabilidade social do Estado e colocar a culpa pela desigualdade sobre os ombros do povo brasileiro, que seria preguiçoso e incapaz;
b) O exemplo de Zé mostra que todo esse papo de “social” é balela, porque com esforço e dedicação todos podemos subir na vida; o importante mesmo é o mérito individual;
c) Todas as alternativas acima;
d) Nenhuma resposta se aplica.
Não era boato: a Disney vai mesmo fechar o seu estúdio de animação.
Este post de John Perry Barlow mostra o quanto as coisas estão se transformando, como a internet consegue aos poucos oferecer uma experiência que, se não é igual à realidade como a conhecemos, se distancia cada vez mais dos estereótipos associados a relações humanas pela internet.
Olhando bem, todo o arcabouço moral dos super-heróis é oitocentista. São movidos por noções éticas demodês como honra, justiça e a defesa dos fracos. O que mais faria o Homem-Aranha admitir que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”? Ou um milionário como Bruce Wayne perder suas noites combatendo o crime em vez de ficar em casa em orgias inenarráveis com seu grande amor pré-adolescente, o Dick Grayson (chamado de “o menino-prodígio” por suas habilidades na saliência)?
Enquanto isso, John Constantine só quer tirar o seu rabo da reta.
O que move Constantine, o melhor anti-herói que a indústria de quadrinhos criou em todos os tempos, é uma tentativa insana de sobreviver à imensidão de besteiras que cometeu em sua vida. Ele é um produto da década de 70; ou melhor, uma reação da década de 70 aos anos 80. Mais que qualquer outro, reflete aquela postura niilista e desencantada da Inglaterra que gerou o punk e, de repente, se via encurralada pelos yuppies; como diriam os Sex Pistols, no future for you and me.
Algo nas histórias de Constantine me lembra alguns aspectos do Decameron misturado com Dr. Fausto — um mundo que, mesmo em contato com o além (ainda que seja o pior dele), insiste em ser o mais secular possível, hedonista e imediato, e quase sempre amoral.
Minha história preferida de Constantine é aquela em que, condenado por um câncer, ele decide enganar a morte e, de quebra, o maior número possível de demônios, obrigando-os a conservá-lo vivo para evitar o fim do Inferno. Parece um conto de Papini em quadrinhos.
Depois do Batman, John Constantine é o meu herói favorito, por ser o mais canalha, o mais cínico, o mais covarde — em uma palavra, o mais humanamente falho. O que quer dizer que, infelizmente, é o mais parecido comigo. E provavelmente com você, também.
Há três grandes escritores noir: Dashiell Hammett, Raymond Chandler e Ross Macdonald.
Hammett é o inventor do gênero, do detetive hard boiled. A linguagem seca, direta, o cinismo, a disposição do investigador para se meter em sujeira, o arquétipo da femme fatale — tudo isso é obra de Hammett, que deixou as elocubrações anódinas dos Poirot da vida parecendo leite pasteurizado diante do bourbon do Continental Op e Sam Spade. Miss Marple ficaria vermelha ao ouvir alguns dos motivos dos crimes que estes detetives têm que resolver. E pediria a excomunhão do Op e de Spade ao saber dos métodos que eles utilizam para achar os culpados. So improper, dear.
Chandler foi mais além, e deu densidade literária ao gênero sem perder a essência suja do noir. Para muita gente é o maior escritor do gênero. Seu Philip Marlowe tem um olhar contemplativo e filosófico que não existia em Hammett. Eu não diria que um é melhor que outro: são apenas diferentes.
Depois veio Ross Macdonald, que seguiu um caminho diferente com seu Lew Archer, dando ao gênero uma profundidade e uma atualidade psicológicas inéditas até então. O detetive de repente se via envolvido em um contexto social mais complexo, e isso manteve o gênero vivo nas décadas de 60 e 70. E foi o primeiro grande autor noir que li, meu preferido até me apaixonar por Hammett.
Depois deles não apareceu mais ninguém. Cópias sempre abundaram, algumas excelentes como Cornell Woolrich, outras baratas como Mickey Spillane e Frank Gruber (se alguém acompanhou a antiga “Colecção Vampiro”, uma série de livros de bolso portugueses vendidos aqui nos anos 60 e ainda hoje encontráveis nos sebos, leu muitos livros destes últimos — e aprendeu que “tira” em lusitano é “chui”). Mas era apenas mais do mesmo, fotocópias cada vez mais esmaecidas e esquematizadas. Rex Stout fez uma mistura até interessante dos dois principais gêneros policiais — o inglês cerebral e o americano durão –, mas faltava algo: era como alguém misturando um Romanée-Conti e Evian. Mais recentemente, gente como John D. MacDonald, Lawrence Block e outros até que se esforçou, mas o espírito do detetive noir acabou desvirtuado. Esqueça o que falam dos novos lançamentos: são todos inferiores, sem exceção.
Foi só com Walter Mosley que o noir voltou a ter algum significado. Desta vez, quase literal.
Mosley é negro (algo que tem mais importância nos EUA do que aqui), e seu personagem, Easy Rawlins, é um negão esperto que enquanto se mete na mais profunda sujeira humana acompanha a evolução das relações raciais nos Estados Unidos entre os anos 40 e 60.
Não que Mosley esteja no mesmo nível da santíssima trindade do noir. Longe disso. Nem que seja exatamente original — ele deve muito a Chester Himes para ser considerado novo. Mas originalidade não é exatamente o principal requisito neste gênero. O assunto é sempre o mesmo: morte, dinheiro, sexo. O que conta aqui é principalmente o estilo e a capacidade de observação da natureza humana no que ela tem de, se não pior, de mais falho, mais rasteiro. O nome vem daí: da atmosfera escura e opressiva.
E nisso Mosley foi o primeiro grande sopro de vida num gênero que parecia morto. O primeiro livro da série de Rawlins, “O Diabo Vestia Azul”, é brilhante. Para mim, um fã eterno do gênero, foi quase uma bênção ver que um dos meus gêneros preferidos tinha sido presenteado com uma nova força. Isso me fez comprar os outros livros de Rawlins, que não foram lançados no Brasil (a Amazon é uma das melhores invenções da humanidade). E todos eles valeram a pena.
Isso foi em 2001. Parece que Mosley soltou mais um livro da série. É uma boa pedida.