The 'Nan

Pela primeira vez vi um filme da série Braddock, com Chuck Norris. Na adolescência corri dessas coisas como corria de mulher feia e cachorro grande, mas o tempo nos amolece.

É interessante. Pelo menos em filme, Norris ganha sozinho a guerra que os americanos perderam para um bando de mortos de fome, maus como uma legião de demônios (convenientemente esquecendo My Lai, claro).

O filme me trouxe boas lembranças. Aquela metade dos anos 80, pelo menos para mim, foi marcada em parte pelos filmes em que os americanos, escorraçados de Saigon, recorriam à fantasia para tirar a forra.

Eu pensava que era apenas um trauma antigo que se recusava a afundar no subconsciente. Só agora percebi, de verdade, como tudo aquilo era tão recente: entre a queda de Saigon, em 75, e “Rambo II” decorreram apenas 10 anos. E isso é muito pouco tempo. Na época, para mim, a Guerra do Vietnã era quase tão distante quanto a II Guerra Mundial. Para um país humilhado, certamente não era.

A ferida talvez tenha começado a cicatrizar depois do “sucesso” em Granada; os americanos voltaram a achar que poderiam ganhar uma guerra, como se tivessem ganho alguma depois de 1945.

Provavelmente esses filmes desempenharam um papel importante em fazer o povo americano voltar a achar que era imbatível, que ganhava todas. Fizeram com que o trauma submergisse diante da hipnose coletiva de que, afinal, eles poderiam ter vencido.

O resultado disso foi a invasão do Iraque. E não dá para deixar de lembrar do que Kaká disse em “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”: a história só se repete como farsa.

Clássicos da Literatura Juvenil

A minha casa era engraçada: a primeira TV em cores chegou lá apenas no final de 1978, mas sempre houve um excesso de livros à disposição de todos nós.

Foi mais ou menos nessa mesma época que ganhei uma coleção de livros infanto-juvenis. Eram 30 livros de uma coleção vendida em bancas pela Editora Abril, com capa dura e ilustrações em preto e branco. O nome era “Clássicos da Literatura Juvenil”.

25 anos depois, ainda sei de cor de todos os títulos da coleção:

01 – A Ilha do Tesouro
02 – O Conde de Monte Cristo
03 – As Aventuras de Tom Sawyer
04 – Os Três Mosqueteiros
05 – Dom Quixote
06 – Alice no País das Maravilhas/No País dos Espelhos
07 – O Último dos Moicanos
08 – David Copperfield
09 – Capitão Tormenta
10 – Odisséia
11 – Ben Hur
12 – Aventuras de Huck
13 – Beleza Negra
14 – Robin Hood
15 – Sem Família
16 – Mulherzinhas
17 – Ivanhoé
18 – Os Patins de Prata
19 – Viagem ao Centro da Terra
20 – Chamado Selvagem
21 – Robinson Crusoé
22 – 20.000 Léguas Submarinas
23 – A Filha do Capitão
24 – Robinson Suíço
25 – Moby Dick
26 – Caçadores de Cavalos
27 – O Príncipe e o Mendigo
28 – Nevada
29 – Aventuras de um Petroleiro
30 – A Rapaziada de Jô

Claro que eles não tinham o texto integral de todos os livros. A maior parte era adaptada, principalmente aqueles mais densos, como “David Copperfield”, o que quer dizer que tiravam as partes mais pesadas e davam uma penteada geral no texto. A coleção completa tinha mais volumes (pelo menos mais 20, que eu conheça). E era um admirável meio termo entre boa literatura e linguagem razoavelmente acessível. A diversidade de temas, a qualidade das histórias, tudo isso faz com que essa coleção seja absolutamente brilhante.

É por isso que mesmo na adolescência eu menosprezava, talvez injustamente, a Coleção Vaga-Lume; eu tive a sorte de, ainda criança, ter contato com a melhor literatura infanto-juvenil do mundo. Não há comparação entre a ironia de Dickens, ou a imaginação de Dumas, Verne ou Stevenson, e aqueles livrinhos curtos, escritos já com a intenção de serem “fáceis”, da Vaga-Lume.

Essa coleção se perdeu no tempo, gasta de tanto ser relida. Ontem comprei 10 volumes num sebo — estou comprando para a minha filha, para que ela tenha a chance de descobrir o mesmo mundo que eu. Afinal, é um belo mundo, este aqui.

Post scriptum acerca do Let it Be… Naked

É, eu menti. Aquele não era o último post sobre o Let it Be… Naked. Mas a culpa é do Tuzi.

Desde o início dava para saber que o LIBN era um fraude; não era o Get Back, cru, nem uma versão re-produzida e aperfeiçoada; ele ficou no meio do caminho, falso em seus overdubs e desonesto ao tentar nos convencer do contrário.

Já vi uma série de críticas equivocadas sobre o Let it Be. Como esta, da Salon, por exemplo:

After the baroque studio wizardry of “Sgt. Pepper’s” and “The White Album,” we get to hear the band playing together again, live and with no overdubs.

Na verdade, o “Álbum Branco” não tem absolutamente nada a ver com o Sgt. Pepper’s; já era, em 1968, uma volta ao rock and roll básico, e uma espécie de parabólica musical. Essa idéia se vê já a partir da capa, totalmente branca, indo na contramão do psicodelismo rampante da época.

Na verdade, a diferença no projeto Get Back era a respeito da banda, não do som. Eles queriam ver se conseguiam tocar “ao vivo” novamente, sem overdubs (e nisso a resenha da Salon está correta). E por isso o que fizeram agora é uma fraude, porque não é nada, no fim das contas.

Mas há uma fraude ainda maior no Fly On The Wall, o disco-bônus que acompanha o Let it Be… Naked. Pequenos trechos de música misturados com trechos de diálogo.

Somente com as MP3 que tenho em um só CD eu poderia fazer um disco bem melhor. Por exemplo, a música Two Of Us tem pelo menos 3 grandes versões, totalmente diferentes: a versão rock, uma em que eles cantam com sotaque cockney, e uma — a minha preferida — elétrica, mas lenta. Tem Watching Rainbows; tem Tomorrow Never Comes, tem Hi Ho Silver, tem Suzy Parlor, tem Not Fade Away (cantada pelo que parece ser um Lennon entupido de heroína), tem Get Back cantada em alemão, tem No Pakistanis e Commonwealth, tem Lennon cantando a primeira música música escrita por McCartney, I Lost My Little Girl, tem McCartney tocando Let it Be pela primeira vez para os outros e ensinando os acordes… Os arquivos da Apple estão cheios de pequenas preciosidades, pelo menos para os fãs. Sem contar os pequenos trechos absolutamente canalhas, como What’s the Use of Getting Sober, ou Negro in Reserve, ou When You’re Drunk You Think of Me.

É só pensar em tudo isso e ouvir o as migalhas oferecidas em Fly on the Wall para ver que aquilo é lixo, pelo menos para um fã.

Por outro lado, Lennon sempre disse que Phil Spector tinha salvo o Let it Be. Eu, pelo menos, duvidava disso. Mas agora dá para ver que Lennon tinha razão. A nova versão impressiona pela qualidade do som, mas musicalmente é algo indigesto, e muitas vezes inferior ao original.

Ouvindo o LIBN dá para ter uma idéia mais clara do trabalho colossal que deram a Spector. Ele certamente escolheu os melhores takes, e muito da orquestração que colocou serve também para encobrir erros. A versão de Get Back, pro exemplo, é triste. Two of Us também. A única versão que realmente ficou melhor é a de Let it Be.

É só pedir a alguém que não conheça os dois discos e pedir para ele ouvir os dois. Vai ver que, descontada a história e essas coisas, o Let it Be original é muito melhor.

Longhorn

Os sites de notícias avisam com estardalhaço que há cópias piratas do até agora conhecido como Longhorn (o próximo sistema operacional da Microsoft, a ser lançado — a princípio — em 2005) vendidas por menos de dois dólares na Ásia.

Praticamente todos se mostram entre preocupados e chocados com a pirataria, e ressaltam o fato de que piratear uma versão alfa é o cúmulo, etc. etc.

Que engraçado. As versões alfa do Longhorn já estão disponíveis nas redes P2P há muitos meses. É aí que está a verdadeira mudança, mas os sites se preocupam muito mais com camelôs asiáticos defendendo um trocado com um programa que ainda não presta para nada.

Depois, quando o bonde passa, o pessoal fica se perguntando como foi que perdeu o danado.

De como perdi um concurso de contos para um viadinho

Eu detesto concursos.

Quando fui morar em Aracaju participei do primeiro e último concurso em minha vida. Era um concurso estadual de contos infantis. Recebi a notícia na sala de aula, decidi que ia participar e, naturalmente, esqueci do assunto, que eu tinha mais o que fazer.

Só fui lembrar do concurso na véspera do fim do prazo, e corri para escrever o conto. Dele só lembro que era sobre um adolescente que arranjava uma moto e um cachorro e se metia em aventuras no meio do mato, acho que na Amazônia.

Escrevi e passei a limpo; acabei só entregando o conto no fim do dia. Quando entreguei, a professora de português responsável pela participação do colégio no concurso só fez um comentário: “Hmm… Grande, né?”

Pelo que entendi, a filha da puta estava insinuando que aquele conto era um plágio, ou que alguém tinha escrito por mim. Minha vontade, na hora, foi lembrar a ela que não devia julgar a minha capacidade pela sua burrice. Mas tudo bem.

Eu já tinha esquecido do assunto quando uma prima ligou para minha casa dizendo que meu nome tinha aparecido no telejornal da noite, como vencedor do terceiro lugar do tal concurso.

A irritação começou aí. Não existe vencedor de terceiro lugar. Existe, sim, um sujeito que perdeu o primeiro e o segundo lugares, só isso. Um perdedor duplo.

Mas eu iria me irritar ainda mais no dia seguinte.

O segundo colocado tinha sido um colega de sala. Seu conto falava de um passarinho que fugia de sua gaiola e saía pelo mundo procurando a felicidade.

Ah, não. Passarinho? Voando lindo, leve e solto à procura da felicidade? Eu podia ter 11 anos, mas já sabia o que era coisa de viadinho. E aquilo, definitivamente, se encaixava na categoria. Perder para um continho de viadinho era humilhação.

Mas ainda tinha mais. Eu conhecia o sujeito. Ele não fazia absolutamente nada sozinho: sua mãe, superprotetora, fazia tudo por ele. Ela tinha chegado ao cúmulo de, depois de uma prova de história em que eu havia dado a cola completa para ele e para o resto da sala, ir me agradecer pessoalmente (se fosse a minha mãe ia ficar revoltada). Não era de admirar que ele fosse assim, meio viadinho.

Eu perdi o segundo lugar, mas sabia que tinha perdido para uma mulher de meia-idade que não tinha o que fazer, provavelmente mal-amada, em vez de para um sujeito da minha idade. Não que isso servisse de consolo, infelizmente. Eu poderia ter perdido para Rubem Fonseca ou Tchekov, que ainda assim ficaria revoltado.

Para completar, o prêmio ao terceiro lugar era uma caderneta de poupança no valor de 3 mil cruzeiros. Eu nunca vi a cor desse dinheiro. O Estado de Sergipe me passou um 171.

Até hoje tenho certeza de que o meu conto era melhor que o segundo lugar. Certeza absoluta. E tenho a séria desconfiança de que era melhor que o primeiro, também.

Eu detesto concursos.