Fazendo uma limpeza geral em meus arquivos (arquivo é o nome pomposo que dou àquele monte de papel amassado e empoeirado que guardo, fora de qualquer ordem, em casa), encontrei este artigo publicado na Gazeta Mercantil de 21 de outubro de 1994.
Como todo mundo com mais de 30 anos, eu comecei em máquinas de escrever, catando milho com dois dedos de cada mão. Até hoje bato com força demais nos pobres teclados de computador por essa razão. E embora seja há muito tempo o feliz proprietário daquilo que mais se parece com uma máquina de escrever, um notebook, confesso que, assim como o autor, sinto que há algo de insubstituível numa boa máquina de escrever.
O artigo de Peter Khan é uma espécie de vingança contra o progresso, devidamente endossada por mim e por milhares de pessoas que sentem saudade de suas Olivettis.
Máquina de escrever é melhor que computador
Por Peter R. Kahn, do The Wall Street Journal
Walter Mossberg (o colunista de informática do The Wall Street Journal) está de férias, relaxando em alguma praia com alguns leves CD-ROM para o verão. Eu o estou substituindo, penitência por haver um dia sugerido que ele escrevesse uma coluna para aqueles que às vezes usam máquinas de escrever.
“Mas você é a última pessoa”, disse Mossberg. A premissa desta coluna é que não sou.
Nós proprietários de máquinas de escrever estamos intimidados, escondendo nossas Royals em porões, furtivamente pechinchando fitas de reposição em papelarias obscuras, encolhendo-nos aos comentários de nossos filhos da era do computador (“Claro, meu pai tem uma impressora com teclado”).
Uma vez que na verdade estou “online” no escritório, encontro-me quase à altura de meu filho de cinco anos em seu Mac e me orgulho por produzirmos este jornal em computadores. O objetivo aqui não é fazer uma guerra ludita aos PC, mas apenas questionar a visão que os seus adeptos têm sobre máquinas de escrever.
A clássica máquina manual de escrever fabricada desde a década de 1870 até a década de 1960 (não, perceba, elétricas, Selectrics, e outros mutantes desastrosos da década de 70) não merece tornar-se obsoleta. Se o rádio pode coexistir com a TV, fósforos com isqueiros, pais com adolescentes, por que não máquinas de escrever com computadores?
Vejamos alguns dos méritos da máquina manual:
Personalidade: Adeptos podem debater as virtudes de uma Royal 10 vs. uma Underwood 5, mas todos concordam que não apenas cada modelo mas cada máquina tem uma personalidade distinta. Excentricidades — uma tecla resistente, uma barra de espaços divertida, margens ingovernáveis — espelham as nossas fraquezas humanas. Com máquinas de escrever, da entrada à saída, do toque das teclas aos XXX em seu papel, processo e produto são inquestionavelmente seus.
Independência: datilógrafos, ao contrário de seus colegas computadorizados, não estão atados a correntes elétricas nem dependem de baterias. Observamos amigos que partem para viagens carregados com laptops, modems, cabos, baterias, tomadas, adaptadores e grampos para escuta clandestina em telefones de hotel. Alguns são presos como espiões por agentes alfandegários do Terceiro Mundo. Outros, não conseguindo carregar uma pesada impressora e precisando fazer muitas cópias, acabam usando fax modems para enviá-las através da máquina de fax ao hotel por taxas exorbitantes. Uma leve Olivetti Valentine não serviria com mais praticidade?
Versatilidade: Enquanto estamos nisso, tente produzir pequenas notas, cartões ou envelopes numa impressora PC normal.
Durabilidade: As máquinas de datilografia clássicas são feitas de sólido aço. A minha suportou monções na Nova Guiné e tempestades de areia no Paquistão. As máquinas de datilografia sobrevivem até aos transportadores de bagagens das empresas aéreas.
Audibilidade: O reconfortante estalo das teclas e o alegre tilintar do carro fazem da datilografia um passatempo divertido, semelhante a escutar poesia em voz alta. Considere: existem agora no mercado muitos programas compartilháveis de computador que tentam simular os sons das teclas e sinetas das máquinas de escrever. A realidade é melhor.
Saúde: Quem jamais ouviu falar sobre alguém que ficou com exaustão por esforço repetitivo e outras indisposições misteriosas — ou de ter precisado alistar-se no escritório ao Ergonomics 101 — por causa de uma máquina de escrever? A pior injúria que uma máquina pode lhe infligir é cair no dedão do seu pé.
Segurança: Com uma máquina de datilografia você pode ficar seguro de que nenhum “vírus” invadirá sua memória ou manuscrito, nenhuma criança de passagem destruirá seu documento ou diário. Não existem traços de dados que outros possam usar para reconstituir documentos que pensa que apagou. E o risco é zero de que você possa pressionar uma tecla errada e enviar um memo sobre seu chefe para seu chefe.
Intimidade: Cartas datilografadas invariavelmente são destinadas a uma pessoa. Correspondência por computador, ao toque de uma tecla, com muita freqüência vai para listas de distribuição — para relações de grupos desinteressados — que têm o infortúnio de estar conectados on line. A ironia de nossa era do computador é que nunca antes tantos foram tão abundantemente copiados a respeito de tanto que lhes importa tão pouco. Computadores, na verdade, matam mais árvores do que máquinas de datilografia jamais fizeram.
Produção: Diz-se que Mark Twain foi o primeiro autor a apresentar um manuscrito datilografado a um editor. Isto aconteceu nos anos 1870 e o título era “Tom Sawyer”. Alguém já escreveu um livro melhor num computador?
Modéstia: A máquina de datilografia é um instrumento honesto; não aspira a ser humano. Não existem programas para checagem de termos usados nem arquivos de memória. A máquina de escrever não pretende soletrar quando não pode ler, não alega lembrar quando não pode pensar. Máquinas de escrever não competem com seus proprietários.
Procurando uma máquina de escrever: Tenha em mente que máquinas de escrever, como ocorre com vinhos Bordeaux, quanto mais velhas melhores. A produção de todas as excelentes manuais terminou na década de 60. Apenas a Olivetti ainda produz algumas portáteis plásticas. Assim você fará melhor procurando uma loja de material usado em busca de uma máquina dos anos 20 (US$ 5 a US$ 50) ou tente descobrir um modelo “recondicionado” no porão de um depósito de materiais de escritório (US$ 50 a US$ 150). Teste todas as teclas, o retorno no carro e a reversão da fita. Compre fitas extras sempre e quando as encontrar.
Minha favorita é uma atraente Royal negra fabricada nos anos 20. Foi comprada de Lev Shapiro, do Lincoln Center Business Machines, em Nova York. Shapiro ainda vende, presta assistência e ama máquinas de escrever.
Para os que têm mais interesses acadêmicos, recomendamos um volume esgotado de Wilfred A. Beeching intitulado “Século do Datilógrafo”. Ele escreve uma história de 300 anos dos “Tipógraphos e Copistas” a “Impressoras com Teclado” e “Escrita com Espineta”, assim como detalha cada modelo clássico manufaturado.
Se, por acaso, quiser se desfazer de uma máquina de escrever, sinta-se à vontade para enviá-la (não para pagamento contra entrega) ao endereço postal de Mossberg no The Wall Street Journal. Mossberg gosta de receber notícias dos leitores.