Mais mulés

Emancipação feminina é o direito que as mulheres conquistaram de se acharem o máximo por ainda serem umas antas.

Não fui eu quem escreveu isso. Foi a Mônica. A Mônica é mulher. Se eu escrevesse seria um porco chauvinista, logo eu que faço o maior esforço para ser um sujeito bonzinho.

Mas como geralmente não consigo, deixa eu me resignar a assinar embaixo do que a Mônica escreveu.

As mulé vão à luta

Este artigo de Caitlin Flanagan na Atlantic Monthly é bem interessante. Conservador? Talvez, como tudo naquela revista — que, por sinal, é uma das melhores publicadas na Bushlândia.

Flanagan defende alguns pontos de vista curiosos. O primeiro deles é simples: a função da “dona-de-casa” praticamente acabou nos EUA; sendo substituído, no máximo, pelo que ela chama de “mães em casa”. Além disso, nota que a “emancipação” da mulher americana foi conseguida às custas da exploração das classes mais baixas, imigrantes que passaram a fazer os serviços domésticos. E ela tem razão.

Outro ponto digno de nota é a observação de como o trabalho da dona-de-casa passou a ser denegrido a partir dos anos 50. De repente, passou a ser mais interessante trabalhar por mixaria do que cuidar da casa. Ela não toca nesse ângulo, mas Marx daria uma explicação simples. A expansão da economia americana no pós-guerra fez com que se precisasse mais de gente suficientemente educada para ocupar novos postos de trabalho. Curiosamente, a emancipação das mulheres pode ter custado também os empregos dos homens das classes mais baixas.

O artigo é extenso, mas vale a pena. E fica a discussão: afinal de contas, o que é essa emancipação feminina? E até onde vale a pena?

O Estado como "fazedor de anjos"

Aborto é um tema delicado, Paulo.

Mas naquele post eu não estava falando especificamente sobre o aborto em si; acho que me expliquei mal. Me referia à questão legal que envolve o assunto.

Alguns acham um crime hediondo; outros não. A questão aqui não é exatamente o aspecto moral do aborto, mas sim a possibilidade daqueles que estão dispostos a fazer um de contarem com o apoio do Estado — ou, quando menos, de não serem atrapalhados por ele.

É ingenuidade acreditar que o fato de existir uma lei proibindo o aborto seja eficaz em coibi-lo, assim como seria achar que sua legalização iria incentivar sua prática. Abortos nunca foram legais no Brasil (com exceção de alguns casos bem específicos), e não consta que seu número tenha diminuído ou aumentado por isso. Porque o que faz com que uma mulher, diante de uma gravidez indesejada, decida ter ou não o seu bebê é a sua visão moral e ética do mundo, aliada a uma série de circunstâncias imponderáveis. Nessa hora ela não poderia ligar menos para o que uma lei pouquíssimo aplicada diz.

Se ela decidir pelo aborto, e for de classe média ou superior, poderá recorrer a bons médicos (bons no sentido técnico; me abstenho de fazer julgamentos morais). Em último caso, pode recorrer a dois comprimidos de Cytotech. Já aquela miserável que toma a mesma decisão terá que recorrer a soluções que muitas vezes parecem saídas de um circo de horrores. Sem falar nos abortos feitos em fetos com até 6 meses de gestação.

Pode-se achar ou não o aborto algo condenável, mas a questão é que o Estado, diante de uma realidade objetiva e bem definida, deve simplesmente parar de esconder a cabeça em um buraco na areia. Legais ou não, abortos vão continuar sendo feitos. E é bom lembrar que é dever do Estado dar o máximo de igualdade a todos; é para isso que ele existe. Por definição, o Estado é laico e é o resultado da correlação de forças da sociedade que regula.

Mas é praticamente impossível falar de aborto sem resvalar no aspecto ético. Eu, pelo menos, acho que uma mulher tem o direito de decidir o que fazer com o corpo dela; dizer que o embrião é outro ser é apenas meia-verdade, porque se fosse mesmo não dependeria do corpo dela.

(Pequena questão filosófica: uma mulher grávida tem o direito de se suicidar?)

Não acho que ninguém tenha a autoridade de dizer a uma pessoa que ela deve ter um filho que não quer.

Além disso, acho que pior que um aborto é uma criança ser criada sem amor. Orfanatos estão cheios de abortos que não foram feitos.

Comentários dos comentários

Paulo: quanto à questão do direito de uma gestante a se suicidar, posso concluir então que ela pode fazer isso logo após parir, correto?

Julia: acho engraçado quando as pessoas usam medidas diferentes para julgar a mesma questão. Por exemplo, se o abortado fosse Hitler, diz-se “como ela poderia saber?” Mas se é Jesus (obviamente estou vendo tudo sob uma perspectiva histórica e desconsiderando eventuais Anunciações; se quiser, pode substituí-lo por Gandhi, Luther King, Madre Teresa, irmã Dulce ou qualquer outro) se diz um “pois é”, quando a pergunta deveria ser a mesma: “como ela poderia saber?”. A pergunta é feita para dar o benefício da dúvida a qualquer feto, sob uma ótica positiva. Mas esse mesmo benefício pode ser dado sob a ótica inversa.

Beto: as pessoas podem retirar um rim ou um pulmão na hora que quiserem. Aliás, às vezes doar um rim é uma obrigação moral. E tenho a séria desconfiança de que, se quem precisasse fosse certo acidente genético (aquela mocinha que é linda mesmo parecendo com o pai), você daria os dois. No que diz respeito à questão de prevenção, aqui não se está dizendo que aborto é algo louvável ou condenável: apenas que é um fato inegável e que o Estado tem o dever de respeitar isso, garantindo o bem estar dos cidadãos. Finalmente, quanto à questão de marketing (o que seria impossível pela regulamentação do CONAR, ainda que o governo permitisse), que tal essas campanhas “maravilhosas”: “Faça seu aborto aqui e ganhe camisinhas grátis por um ano!”? Ou “Clínica de Abortos São Miguel: de anjos nós entendemos”? Ou “Ele botou? Nós tiramos!”? Ou…