Alter, qualquer defesa do português por meio de leis ou assemelhados esbarra em um obstáculo simples: um idioma é um organismo vivo. A própria língua portuguesa é o resultado de várias miscigenações: do latim vulgar com o idioma falado numa região da península ibérica, depois com o árabe (sem o qual não existiria sequer a palavra “alfabeto”), e depois com as contribuições do tupi-guarani e das línguas do escravos. Sem falar naqueles galicismos e anglicismos que foram sendo incorporados aos poucos (pelos quais dou graças a Deus; eu me sentiria desconfortável, no mínimo, admitindo que gosto de ludopédio). E sem levar em conta incorporações menores não só de estrangeirismos, mas de corruptelas populares ao longo dos tempos.
Por mais que se tente, é impossível controlar a forma como um idioma se modifica. Sempre foi. Vai ser assim para sempre.
Esse processo é constante, mas normalmente é acelerado quando uma cultura encontra outra superior, ao menos tecnologicamente. O anglo-saxão se curvou sob os normandos e o resultado foi o inglês, que até hoje tem na maioria de seus vocábulos origem latina. E nos próprios Estados Unidos, nas regiões de fronteira com o México, o idioma se modifica a cada dia; por exemplo, eles usam “showerear” em vez de “take a shower”.
Em outros tempos, quando as comunicações eram muito menos avançadas e ubíquas do que hoje, não se conseguiu controlar a importação de estrangeirismos; alguém realmente acredita que será possível agora, em época de Internet e internacionalização de conteúdo cultural?
O que me incomoda no projeto de lei do Aldo — que não sei a quantas anda — é que ela é, defintivamente, um reflexo do atraso. A tentativa de legislar sobre tema tão volátil é um dos piores sintomas de que aquela cultura bacharelista e cartorial que herdamos dos ibéricos não foi suplantada ainda. A idéia de que uma lei vai me fazer deixar de colocar “50% Off!” ou “Sale!” na frente da minha loja, quando é isso que meus clientes querem ver porque os faz se sentirem em plena Caipirópolis — perdão, Miami –, é simplesmente burra. Ou, para tentar ser eufemístico, quixotesca. E me parece, também, uma espécie de pequena retaliação por terem perdido a guerra da globalização no campo econômico.
O Aldo quer realmente defender a língua pátria? É simples. Pegue aquele orçamento ridículo elaborado pelo governo do qual é líder na Câmara e destine mais verbas para a educação, em vez de gastar tempo e o meu dinheiro com leis imbecis. Pare de aprovar alunos praticamente analfabetos e de defender, por corporativismo cego, professores preguiçosos e às vezes igualmente analfabetos. Incentive a leitura nas escolas. É só assim, e não elaborando leis que seguirão a tradição daquelas que “não pegam”, que se vai conseguir fazer com que este povo conheça e respeite a sua língua, belíssima e deslumbrante em seus ãos. Mas que ele não se iluda: esse mesmo povo vai continuar usando as palavras estrangeiras que quiser, na hora que quiser, bastando achar que é mais adequada ou mais fácil que eventuais correspondentes na última flor do Lácio.
No site da ABL há uma série de palestras a esse respeito. Vale a pena ler algumas delas.