Esprit d'escalier

Mal acordo e me ligam do meu banco. Um desses funcionários de call center, com a cartilha diante dos olhos, tenta me convencer a ingressar num desses planos de capitalização, ou seja lá como chamam esses esquemas de 171 legalizados.

Declino da oferta e tento desligar, mas ele insiste. Continuo dizendo que não, mas ele insiste. Pergunto se por acaso viu meu saldo humilhante para ter o desplante de me oferecer algo assim, mas ele insiste — agora com novos argumentos: “o que você faria com 25 mil reais?” Repito que não quero, e já perdi as contas de quantos “nãos” disse. Finalmente ele aceita desligar o telefone sem que eu tenha que ser mal-educado.

Os franceses têm uma expressão para aquela boa frase que só vem à sua cabeça depois que tudo acabou. Chamam de esprit d’escalier, espírito de escada. É a resposta espirituosa que só aparece quando você já está saindo.

E só na escada é que fui pensar no que faria com os 25 mil reais: “Amigo, com esse dinheiro eu contrataria uns 10 pistoleiros para acabar com todos os funcionários chatos de telemarketing do país”.

Adendo

Já falei isso antes, mas gosto de lembrar. Uma língua não é empobrecida ao incorporar palavras vindas de outro idioma.

Um exemplo é o mouse. Nos países de língua inglesa eles usam a mesma palavra para definir coisas diferentes, camundongo e aquele periférico do computador. Aqui, mouse é só o tal dispositivo; para os camundongos temos outras palavras, inclusive calunga (de origem africana, se não me engano). Acho que com isso ficamos mais ricos, e não mais pobres.

Purtugueiz num é difíssiu

Alter, qualquer defesa do português por meio de leis ou assemelhados esbarra em um obstáculo simples: um idioma é um organismo vivo. A própria língua portuguesa é o resultado de várias miscigenações: do latim vulgar com o idioma falado numa região da península ibérica, depois com o árabe (sem o qual não existiria sequer a palavra “alfabeto”), e depois com as contribuições do tupi-guarani e das línguas do escravos. Sem falar naqueles galicismos e anglicismos que foram sendo incorporados aos poucos (pelos quais dou graças a Deus; eu me sentiria desconfortável, no mínimo, admitindo que gosto de ludopédio). E sem levar em conta incorporações menores não só de estrangeirismos, mas de corruptelas populares ao longo dos tempos.

Por mais que se tente, é impossível controlar a forma como um idioma se modifica. Sempre foi. Vai ser assim para sempre.

Esse processo é constante, mas normalmente é acelerado quando uma cultura encontra outra superior, ao menos tecnologicamente. O anglo-saxão se curvou sob os normandos e o resultado foi o inglês, que até hoje tem na maioria de seus vocábulos origem latina. E nos próprios Estados Unidos, nas regiões de fronteira com o México, o idioma se modifica a cada dia; por exemplo, eles usam “showerear” em vez de “take a shower”.

Em outros tempos, quando as comunicações eram muito menos avançadas e ubíquas do que hoje, não se conseguiu controlar a importação de estrangeirismos; alguém realmente acredita que será possível agora, em época de Internet e internacionalização de conteúdo cultural?

O que me incomoda no projeto de lei do Aldo — que não sei a quantas anda — é que ela é, defintivamente, um reflexo do atraso. A tentativa de legislar sobre tema tão volátil é um dos piores sintomas de que aquela cultura bacharelista e cartorial que herdamos dos ibéricos não foi suplantada ainda. A idéia de que uma lei vai me fazer deixar de colocar “50% Off!” ou “Sale!” na frente da minha loja, quando é isso que meus clientes querem ver porque os faz se sentirem em plena Caipirópolis — perdão, Miami –, é simplesmente burra. Ou, para tentar ser eufemístico, quixotesca. E me parece, também, uma espécie de pequena retaliação por terem perdido a guerra da globalização no campo econômico.

O Aldo quer realmente defender a língua pátria? É simples. Pegue aquele orçamento ridículo elaborado pelo governo do qual é líder na Câmara e destine mais verbas para a educação, em vez de gastar tempo e o meu dinheiro com leis imbecis. Pare de aprovar alunos praticamente analfabetos e de defender, por corporativismo cego, professores preguiçosos e às vezes igualmente analfabetos. Incentive a leitura nas escolas. É só assim, e não elaborando leis que seguirão a tradição daquelas que “não pegam”, que se vai conseguir fazer com que este povo conheça e respeite a sua língua, belíssima e deslumbrante em seus ãos. Mas que ele não se iluda: esse mesmo povo vai continuar usando as palavras estrangeiras que quiser, na hora que quiser, bastando achar que é mais adequada ou mais fácil que eventuais correspondentes na última flor do Lácio.

No site da ABL há uma série de palestras a esse respeito. Vale a pena ler algumas delas.

O Aldo Rebelo do Bahnhoff Zoo

Aldo Rebelo é aquele deputado pelo PCdoB que cismou em encetar uma cruzada à la Brancaleone em defesa do idioma português, uma espécie de reação filológica à globalização.

Acontece que o Aldo é deputado (aparentemente desocupado à época) em um país sub-desenvolvido. Seu projeto de lei era defensivo. Em países ricos a batalha até pode ser a mesma, mas é claramente expansionista.

O embaixador da Alemanha na Inglaterra, Hans-Friedrich von Ploetz, está tentando fazer com que o ensino do alemão seja compulsório nas escolas inglesas. Não tenho dúvidas de que esse senhor é o Aldo comendo chucrute, bebendo cerveja e cantando “Lili Marlene”.

O Hans é o doppelganger do Aldo.

Lá no fundo, na essência dessas duas cruzadas, a idiotice é muito, muito semelhante.

(Um jornalista americano, comentando essa matéria, disse que Hans deveria lembrar de uma frase do rei inglês Carlos V: “Eu falo em espanhol com Deus, em italiano com as mulheres, em francês com os homens e em alemão com meu cavalo.”)

Seleção natural

Segundo sua própria apresentação, o Darwin Awards “homenageia aqueles que melhoram nossa composição genética… retirando-se dela”. Ou seja, o site distribui prêmios póstumos àqueles que morreram em decorrência de decisões absolutamente imbecis.

O site é uma celebração da estupidez humana, que naturalmente deve ser celebrada assim mesmo: com essa risada canalha com que se reage a piadas de humor negro.

Quem for até o site dê uma olhada em The Last Laugh, na página de abertura. Começa assim:

Paul Powell is not yet out of the gene pool but he will be soon, thanks to his own efforts to enable prosecutors to prove a capital murder charge against him.

A Força esteja com George Lucas

No meu “canto do Rio” — uma loja de conveniência num posto de gasolina aqui perto, onde vou comprar cigarros de madrugada — me bati com um episódio qualquer de Star Wars.

Eu seria incapaz de negar sua importância para a indústria cinematográfica. Ao lado dos filmes de Spielberg, e incluindo o Superman de Richard Donner, fez a indústria voltar aos trilhos, com uma fórmula eficaz e simples. O cinema já sabia que sua salvação eram os adolescentes.

Mas importância histórica não implica qualidade. E conheço poucos filmes cujo sucesso escandaloso seja tão inversamente proporcional à qualidade do seu roteiro.

A história em Star Wars é, para usar a melhor palavra possível, medíocre. Há elementos em demasia daqueles romances de aventuras do século XIX, e daqueles filmes de aventura da primeira metade do século XX. Não é, sob nenhum aspecto, uma história nova. É apenas um pastiche de situações antigas, disfarçadas sob alguns dos efeitos especiais mais brilhantes realizados até então.

Digamos que Star Wars está para o cinema como Paulo Coelho está para a literatura.

Teoria do Caos

Foi Thomas Huxley quem disse que, se deixassem chimpanzés diante de uma máquina de escrever, datilografando aleatoriamente, um dia eles acabariam escrevendo um soneto de Shakespeare.

Pesquisadores da universidade inglesa de Plymouth resolveram tirar a prova. Colocaram seis macacos diante de um computador durante um mês.

Os resultados não comprovam a teoria de Huxley. Os macacos não produziram uma única palavra, e mostraram pouco interesse em qualquer outra letra que não fosse a S. Na verdade, interesse mesmo eles mostraram em urinar e defecar no teclado.

Um amigo diz que toda pesquisa realmente idiota vem invariavelmente de uma universidade qualquer da Inglaterra. Estou começando a achar que ele tem razão.

De espíritos de porco e assemelhados

Há alguns dias falei sobre o babaca que resolveu se juntar às FARC. Mas hoje ele acaba de ser promovido à categoria de simples bobão, porque coisa pior apareceu no Rio.

Um sujeito de 17 anos resolveu se divertir nos últimos dias atirando, de sua janela, nos funcionários de um supermercado do Leblon. Acertou 3 com sua espingarda de ar comprimido.

Esse rapaz é só um espírito de porco, um escroto que devia levar porrada todo dia antes de levantar. Não tem sequer idade para alegar que não sabia o mal que estava perpetrando. É só um garoto de índole ruim, uma dessas pessoas com um nível de sadismo inconseqüente excessivamente alto que vagam por aí, tentando encontrar uma razão para viver enquanto, querendo ou não, sacaneiam com os outros.

Talvez essa maldade intrínseca do rapaz seja perfeitamente explicável. De certa forma, ainda piores que ele são seus familiares. Eis um trecho da matéria:

Para amigos e parentes que foram à 14 DP, no entanto, tudo não passou de uma brincadeira de adolescente, que queria atirar em pombos. Uma amiga da família, que se identificou como Flávia Fonteneli, afirmando ser filha de um delegado de polícia, disse que tudo não passava de uma grande bobagem: “É uma história que não vale nem a pena ser contada”.

Se essa imbecil é filha de um delegado de polícia deve saber muito bem o que o escroto fez, a não ser que além de burra e do medo que sente da fofoca seja também uma ignorante consumada — o que não é exatamente improvável.

Mas o que assusta, mesmo, é a prepotência de uma classe social. A idéia de que para amigos que moram na Dias Ferreira não há limites, de que tudo é perdoável, é mais nociva do que qualquer traficante no Vidigal. Porque corrói a base moral da sociedade, e fornece justificativas suficientes para que um traficante diga: “se eles podem, mesmo tendo tudo, por que eu não posso, eu que não tive nada?”