A Julia citou Agatha Christie.
A mim, essa lady não interessa há muito tempo. Já fui leitor dela; é difícil não se entreter com os jogos de xadrez que ela monta.
Acontece que a Dama do Crime é, pelo menos para mim, uma fraude. Descobri isso quando resolvi que iria decifrar — com provas concretas e pseudo-científicas — o crime de um dos seus livros (acho que “A Extravagância do Morto”).
Para compensar a falta de presença real na cena do crime, decidi que poderia fazer anotações e voltar as páginas quando quisesse. Me armei com caneta, papel, e passei umas cinco horas lendo um livro que normalmente me tomaria pouco mais de uma.
E no final descobri que era impossível provar a identidade do assassino, porque o detalhe que constituía a prova definitiva (uma pedra inadequada à jardinagem) não era descrita no livro; só Miss Marple sabia, porque também fazia jardinagem, e ela não fez questão de contar a nenhum leitor.
Aquele foi o último livro de Agatha Christie que li em minha vida. Não foi tão difícil deixar a 171 de lado; àquela altura eu já achava que o romance “de detetive” inglês é muito inferior, pelo menos como literatura, ao noir americano, depois de gente como Hammett e Chandler.
Mas ela tem alguns aspectos interessantes, apesar da fraude que acho que é. Agatha Christie é um dos mais perfeitos exemplares de uma sociedade que desapareceu com a II Guerra Mundial.
Aquela era uma sociedade estratificada ao extremo, amarrada a uma variedade absurda de convenções sociais praticamente intransponíveis. Daí o excesso de “impostores” na obra de AC, como se fosse um lembrete de que as classes mais altas jamais tolerariam que o seu lugar fosse usurpado por membros das classes inferiores. É curioso ver como, principalmente nos livros de Miss Marple, as convenções sociais desempenham um papel importante na trama e, principalmente, na solução dos crimes.
Essa sociedade acabou com a reforma educacional da Inglaterra logo após a guerra, que garantiu educação de qualidade para os proletários, e com a própria evolução do capitalismo na ilha de Ricardo Coração de Leão. Seus restos sobrevivem ainda hoje na Câmara dos Lordes e em outras aberrações políticas e fundiárias inglesas.
E, claro, no Tampax de Camilla Parker-Bowles.